O Jerez se entranha
É um vinho tão esquisito que parece drink. Ou destilado. E até sobremesa. Mas não tem nada melhor com ostras. E parece o mar. É um mundo inteiro
Jerez é um vinho muito esquisito. Na verdade, às vezes, nem parece vinho. A depender dos muitos estilos a que pertence, parece drink. Mas pode parecer destilado também. E até sobremesa. São tantas as faces dentro dessa grande família do Sul da Espanha e é tão complexo o seu modo de produção que, aposto, muita gente desistiu de entender e de tomar. Mas eu só posso ficar triste por essa turma aí.
Para falar de Jerez, repito o poeta: primeiro estranha-se, depois entranha-se. A primeira vez que provei uma tacinha fiquei como o emoji do cérebro que explode. Era o Fino Tio Pepe, equivalente ao curso Jerez 101, que trazia amêndoas no nariz, parecia que ia ser doce, mas na boca era água do mar. Voltei pra casa entre assustada e maravilhada e lembro de ler este texto do Luiz Horta, do qual destaco a passagem abaixo, minha favorita:
”A sensação é a mesma que a de encostar a boca numa pedra na praia (hábito excêntrico, mas tendo oportunidade, olhe em volta: se ninguém estiver prestando atenção, passe a língua num seixo banhado pelo oceano. Concha também vale. É essa a sensação)”.
Você não está entendendo nada? Acho que estou afoita e agora volto algumas casas, para o texto que escrevi logo depois de ter sorvido com prazer aquela taça de Tio Pepe e de outros estilos do produtor Gonzalez Byass:
É um vinho espanhol, produzido na região de Andaluzia, nas cidades de Jerez de la Frontera, Puerta de Santa Maria e Sanlúcar de Barrameda, principalmente com as cepas Palomino e Pedro Ximenez.
Pode-se dizer que o cartão de visitas do Jerez é ser resistente aos clássicos inimigos do vinho. Alcachofra, aspargo, azeitona, ovo: ele aguenta tudo! O cuidado que se deve tomar é com a temperatura: ele deve ser servido bastante frio, mas não gelado. E sempre melhor em taças de vinho branco.
Um vinho de muitas caras, tem seis principais estilos, definidos com base no tipo de amadurecimento, seja ele biológico, pela influência das leveduras, ou oxidativo, pela ação do oxigênio: Fino, Oloroso, Amontillado, Manzanilla, Palo Cortado e Pedro Ximenez. Para complicar um pouquinho, há um método de produção único, chamado de "solera", em que um conjunto de barris são empilhados de forma que os vinhos mais antigos fiquem embaixo — ou no solo, o que explica o nome —, e os mais novos no topo. Ao longo das safras, uma porção de vinho do barril mais antigo é removida e engarrafada e a parte utilizada é reposta com vinho do penúltimo barril, seguindo assim sucessivamente até que o primeiro deles seja completado com vinho novo.
Todos os vinhos de Jerez são fortificados a partir da adição de aguardente vínica, porém, cada um dos estilos possui um teor alcoólico diferente, relacionado com seu estilo. São dois os mais básicos, que não têm nada a ver com a ideia de doce-grudendo no imaginário dos mais velhos, o Fino e o Manzanilla. São pálidos e delicados e com seus 15% de álcool é difícil crer que receberam qualquer dose de aguardente. Devem ser bebidos jovens, resfriados e em poucos dias depois de abertos. A dica da crítica Jancis Robinson é mantê-los em garrafas menores, assim a durabilidade é maior.
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Falo disso tudo agora porque estamos na época do ano conhecida como International Jerez Week, realizada em todo o mundo entre 6 e12 de novembro para promover esses vinhos andaluzes. Antes, há sete anos, quando provei meu primeiro Jerez, eu escrevi que “para os entusiastas é uma lástima: o Jerez pouco emplaca”. Hoje, digo diferente: ele está rompendo a bolha e ganhando novos adeptos, para, quem sabe, deixar de ser apenas um vinho de sommelier.
Acho que como aliada, o Jerez tem a coquetelaria, que o incorporou muito bem como ingrediente. Ele mesmo, a depender do que acompanha, pode parecer um drink. Um fino com azeitonas, para mim, pedem um piano bar. Mas o Manzanilla, como lembrou Luiz Horta, pede mar e eu não conheço harmonização melhor para ostras in natura (chora, Cloud Bay!). É realmente você harmonizar oceano com maré. Ah, e já fui abençoada pela oportunidade de provar um Oloroso com cordeiro — sempre dependi da generosidade de amigos. Espero ansiosa pela oportunidade de provar novos estilos com as iguarias mais variadas. Quem vem comigo?
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Se você é um novato nessa área, a revista Gama acaba de publicar 5 dicas para se iniciar no mundo de Jerez. Ali, há dicas valiosas de dois grandes entendidos no assunto, A Louca do Jerez Gabri Frizon e Bernardo Pinto, embaixador da semana do Jerez.
Entre as dicas, está a de aproveitar a semana, e aí é melhor correr porque ainda tem alguns bons eventos rolando até o dia 12.
Garrafas da semana
Depois desse papinho todo de Jerez acho justo deixar aqui alguns rótulos. Já falei do Manzanilla da Romate aqui na minha primeira edição da newsletter. Vale cada golinho, é o par perfeito dessas ostras com as quais estou sonhando, e ainda tem etiqueta mais tchans e menos careta. Para os iniciantes, é um bela estreia, assim como o Lustau Fino Jarana, tipicamente fresco e seco, com aromas de amêndoas e de fermentação, mas bem redondão na boca. Para quem já entrou nesse mundo, a dica de pechincha é o Barbadillo Oloroso Sherry, que tem cor mais escura e mais notas de oxidação graças a seus vários anos em barricas, e está com o maior descontão. Aqui, as notas são de frutas e flores secas, cacau e notas de tabaco.
Uma chef transparente
O que é a gastronomia brasileira? Ela tem uma cara? Entre muitas outras perguntas, a chef do Maní, Helena Rizzo, fala sobre como somos virtuosos em misturar ingredientes por aqui. No Podcast da Semana, o tema principal é a imagem de pessoa pública, mas há pitadas de gastronomia, especialmente do meio para o fim do episódio, em que ela comenta até o caráter militar das cozinhas e do machismo que engoliu por anos, mas que agora não deixa barato.
Frutas e o frutado
O que quer dizer “vinho frutado?” O novo livro “Sal de Frutas”, da poeta Bruna Beber, já é um dos meus favoritos do ano. É tema da minha coluna deste mês na Gama, em que eu também falo de memórias de infância e sobre o caráter de certos vinhos. De brinde, vai aqui este pequeno e lindo trecho que a Bruna escreveu sobre a banana:
Nem tudo que é barato sai caro. O macaco, na maromba, de merenda. Josephine, Carmem, Velvet, Gracyanne Barbosa. Não resta dúvida sobre a banana. A bondade desobriga-se na banana. A força está com a banana. Até uma banana sozinha faz verão. Quem dá banana empresta a Deus. Casa de banana, espeto de banana. Se a batata é a maçã da terra, a banana é a casa própria. Seu formato de vírgula não torna sua personalidade hesitante ou descansada, a banana tem peito de remador. Insuspeitíssima em qualquer ocasião, cabe até dentro da meia. Já pensou como seria sua vida se você não fosse um banana? Ali e aqui, é comum escorregar. A banana não sente vergonha, a desfaçatez é seu usufruto.
Promova sua omelete a omelette
Se você como eu ama ovos, precisa ler essa edição da newsletter Caracteres com Espaço, da Helo Lupinacci, que é ouro puro. Além de não esconder nenhum pulo do gato, a Helo faz a gente gargalhar com as as referências, imagens e tiradas que saem daquele cérebro genial que ela tem. Dois ensinamentos importantes: 1. omelette tem que babar; 2. não exija demais de sua frigideira e sempre se pergunte: como vai essa guerreira?
Só mais um golinho
Esses caras do Shitty Wine Memes andam muito embatíveis:
Conheci Jerez com o primeiro chef de cozinha com quem trabalhei e foram muitas reações, especialmente para o paladar em desenvolvimento da iniciante na cozinha. Sem
Tirar o papel do Jerez como bebida, ou diminuindo sua recém saída da bolha, amo usar nas receitas. Especialmente em molhos cítricos (aí) e em sobremesas, com toque em redução de frutas (aí). Sou a pessoa que não bebe destilados (eu praticamente coloco ele nessa categoria) mas que sempre consegue inseri-los em receitas.