E a rolha de ouro vai para...
Uma premiação com categorias tão loucas quanto reais para o que bombou no mundo do vinho em 2024
Fiz uma retrospectiva de vinhos na última semana na Folha, mas fiquei com a sensação de que tinha mais a ser dito do que os 3,2 mil caracteres semanais que me são oferecidos ali. Resolvi então fazer minha própria premiação, que, por falta de nome melhor foi chamada de rolha de ouro, com categorias tão loucas quanto reais. Afinal, perdi as contas de quantos júris integrei neste ano. Por que não, então, ser meu próprio júri de uma jurada só e dar um prêmio que não tem distinção, senão a minha própria admiração? Aos vencedores:
Melhor ideia que podia dar errado mas que deu certo
O cheesecake de haddock defumado do Le Bulô. Tem cara e textura de cheesecake nova-iorquino, mas o sabor é a pura defumação. É cremoso até dizer chega, lembra uma coisa mousse anos 1960, mas ao mesmo tempo é uma piada, uma pegadinha e uma delícia. E realmente ainda não esqueci desse restaurante maravilhoso do Ricardo Lapeyre, que faz loucuras com as criaturas do mar.
Melhor menu pagável
Por incrível que pareça, esse prêmio é da Casa do Porco, um dos restaurantes mais reconhecidos do país e fora dele, comandado por Jefferson Rueda e com vinhos agora escolhidos por Gabriela Bigarelli, também responsável pelo Maní. Por R$ 290, come-se o menu de oito etapas que começa com vários bocaditos (incluindo um pequeno cuscus paulista que me fez entender porque as pessoas gostam tanto dessa receita) e termina com o San Zé, que por si só já é uma refeição completa. Saí de lá feliz, mas rolando. Melhor então, se possível, ir no almoço.
Melhor oportunidade para quem tem dinheiro
Se dinheiro não é o problema, eu iria hoje ao Evvai e pediria a harmonização mais topzeira. Eles têm três ali, uma brasileira, uma internacional e outra com vinhos ícones. Vale por mil aulas de vinho, se você presta atenção e tenta decodificar, checando em fichas de vinho e lendo sobre regiões e produtores. Coisa pra quem tem dindin e gosta de uma nerdice, claro. O sommelier Marcelo Fonseca mandou muito, muito bem quando visitei a casa e provei o menu espetacular — de espetáculo mesmo, porque há uma teatralidade visual, além do prazer gustativo.
Melhor date noturno com cocktails e macarrão
O restaurante Bottega Bernacca da Melo Alves oferece clima intimista, massas incríveis e coquetelaria com ótima trilha sonora vintage e sofazinho de veludo. Se alguém entender as cadeiras penduradas, por favor me explica. Atendimento impecável é um plus a mais. Pena que eu fui de dia e com criança.
Melhor vinícola brasileira que me impressionou pra caramba
Vita Eterna. Faz espumantes deliciosos, imaginativos, complexos, com lindos rótulos, e que vão da mesa ao baile.
Melhor almoço cura-ressaca amigo do bolso
Picanha com arroz biro-biro do Ugue’s, em Higienópolis, e uma caipirinha de limão e caju para lavar a serpentina, que ninguém é de ferro.
Melhor pessoa que tá dominando tudo
Esse prêmio é compartilhado por quase toda sommelière que eu conheço (e que se chama Gabi), como a Monteleone, que toda hora tá lançando um projeto; a Bigarelli, que cada hora assume um restaurante estreladíssimo novo sempre incluindo opções pagáveis no menu e dando um jeito de agitar; a Fleming, que levou o Cepa à Vila Madalena; a Frizon, que comanda uma importadora relevante e crescente e ainda encontra energia pra ser a louca do jerez e fazer pub crawl na Sherry Week.
Melhor personalidade gringa do vinho
Eric Asimov roubou meu coração para sempre depois do texto sobre os prazeres do vinho. Não foi amor à primeira vista, mas a cada nova reportagem ou coluna acho que ele tem uma visão mais democrática e amorosa dessa bebida que eu amo.
Revelação gringa do vinho
Revelação pra mim, no caso, porque não é que ela chegou ontem. Mas a sommelière belga Sandrine Goeyvaerts tem uma visão absurdamente clara e relevante do que importa no vinho hoje. Ela fala de aquecimento global, saúde, ética e as mudanças de paladar em seu “Cher Pinard“, que recomendo a todos.
Melhor jovem do vinho
Ele mesmo, o Jovem do Vinho, que é bastante jovem e parece ser muito sabido em muitos sentidos.
Melhor embaixador do vinho
O winebar, sem dúvida.
Melhor poço de conhecimento
Paulo Brammer saiu da Enocultura para entrar para a história do mercado de vinho no país, falando de tendências como jamais vi por aqui. Vinte minutos de papo com ele valem por um mês de apuração.
Melhor stories de sommelier
Daniela Bravin, com postagens de música e muita maromba, ganhou meu coração e prova que é possível ser 100% do vinho e ter disposição e saúde. Sem falar que ela e Cassia mandam muito em todos os seus empreendimentos.
Pior do vinho no planeta Terra em 2024
O machismo que ainda impera e as besteiras que nós, mulheres, precisamos ouvir nos salões, nas masterclasses, nas degustações, nas mensagens, são devastadoras. Tenho histórias terríveis acumuladas neste ano, mas isso fica para outra edição.
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Garrafa(s) da semana (e do fim do ano)
Para o Natal, se sua família for da turma do bacalhau, vale revisitar o Covela Alvarinho 2022. Voltei a ele numa temporada da praia e foi uma surpresa mais feliz que as lembranças. Vai fazer um par perfeito. Outra ideia é o Vionta Albariño que traz notas de suco de pêra, embora seja salgadinho na boca.
Se sua turma for mais de comer peru, vale seguir no branco. Se der pra gastar um pouquinho mais, vá no Vinhas do Tempo Chardonnay, um dos melhores do ano. Se quiser ser mais econômico, o Ventisquero Chardonnay vai até com um pernil com abacaxi; com suas notas tropicais ele casa bem demais.
Para quem prefere os tintos, o Rocca della Macie Vernaiolo Chianti 2022 vai casar bem com as partes mais gordinhas da ave, ou se você, como eu, manda ver no bacon e na manteiga no preparo. Delícia da vida, como diria meu filho aos 3.
Para o Réveillon, o Brasil é a melhor origem para borbulhas em conta. Já falei dos incríveis Vita Eterna, sugiro especialmente o Nature e o Orange de Noir. Amitié e Valduga são outros nomes do meu coração para borbulhas, assim como Cave Geisse. Entre as gringas, um bom Champagne de pequeno produtor é o Marc Hebrart Premier Cru NV.
Como calcular e organizar as bebidas da sua festa
Publiquei na Gama um guia completo para não ter b.o. com os drinks da sua festa. Tem receitas, dicas de serviço, de decoração, sacadinhas e muito mais. Tudo está aqui, mas compartilho parte aqui:
Em uma festa de três a quatro horas que oferece vinho, cerveja e coqueteis, cada pessoa bebe uma dose e meia de cada bebida disponível — quatro doses e meia por pessoa. Esse é o cálculo de ouro que Gabriel Santana, dono do Santana Bar, usa desde os tempos em que estudou hotelaria na Suíça e não falha nunca. “Acredito nos suíços, são precisos, inventaram o Rolex, afinal”. A partir daí, para cada hora a mais de festa, deve ser adicionada uma dose por hora por pessoa.
Mais jingle bells harmonizados…
Se você quer mais infos sobre os casamentos de comida e bebida de Natal, sugiro acompanhar a coluna na Folha, esse podcast e a edição de Natal do ano passado.
… e um feliz 2025
Se o seu lance é mais o Réveillon, ouça esse outro episódio.
Bocaditos rápidos
Minha ex-colega de Paladar Ana Paula Boni está de volta ao mundo da gastronomia com uma coluna. Siga aqui para acompanhá-la. Ela é ótima de notícia e melhor ainda de dica.
Como uma simples piada feita em um filme há 20 anos tem efeitos no mundo do vinho até hoje: coluna sobre “Sideways”, na Folha.
E essa trend de Guiness? Muita gente escrevendo sobre ela.
Se você viu The Bear, vai gostar de ler sobre o banquete dos sete peixes.
Os 16 melhores livros de receita de 2024.
Só mais um golinho
Essa news se despede de 2024, deseja um lindo 2025 e pega um recessinho até o fim de janeiro. Nos vemos já já.