A OMS adverte: há uma epidemia de winebars
Casas não param de abrir e são a melhor oportunidade para nerds do vinho aumentarem a litragem
Há uma epidemia em curso no Brasil e ela se chama bar de vinhos. Minha impressão foi compartilhada por Tânia Nogueira, blogueira da Folha, que enquanto eu digitava os próximos parágrafos publicou nos seus stories: “O Winebar é a nova paleta mexicana”.
Nesta semana, no Rio de Janeiro, serão abertas as portas de mais uma unidade da Casa Tão Longe Tão Perto, comandada pela intrépida Gabriela Monteleone, que serve vinhos na torneira de chope e que aqui em São Paulo está na Barra Funda, além de contar com uma filial portuguesa, no Porto.
Em São Paulo, neste sábado há a abertura do Plou Vinhos, na Vila Madalena, que tem entre os sócios Analu Torres, especialista em vinho francês e uma das melhores degustadoras que conheço.
Casas como as excelentes Sede 261, Huevos de Oro e Beverino já são tradicionais e dividem os clientes (sem grande disputa porque parece que tem muito interessado em vinho hoje) com outras mais novas, como a Baco Dvino e a Clementina, que vive lotada. Digo por experiência própria: marquei às 19h com uma amiga na porta do bar focado em naturais e havia DEZENOVE mesas na nossa frente. (Talvez esse número, 19, quisesse dizer algo, pensando bem. 19 bares que eu esqueci de mencionar? Tem ainda o Clos, o Miya, o Elevado, o Prosa e Vinho, o Iaiá Cave a Manger e por aí vai… (Aqui tem uma lista boa.)
O grande lance dos winebars é ser um lugar para aumentar o repertório e, portanto, não se pode cair na bobagem de pedir garrafa. Foque nas taças e não se encabule em pedir uma para dividir, seja pra duas ou três pessoas. Gosto especialmente dos bares que servem a bebida em um pequeno decanter, assim a gente tem certeza da quantidade que tá comprando. (Quem aqui já não ficou bolado com uma tacinha mixa por R$ 60, R$ 70 que levante a mão.) Uma notícia boa é que esses bares pegaram mesmo e, como vivem cheios, não precisamos nos preocupar com a validade do que tá aberto: há grandes chances da rolha ter saído há minutos.
Uma coisa que dá pra exigir é a temperatura de serviço correta, afinal, se o foco do lugar é vinho, ele tem que ser bem tratado. Se não tiver, reclame. Vale lembrar também que, salvo exceções, nesses lugares os papeis são invertidos e as comidas são coadjuvantes, apenas acompanhamentos das taças, as reais protagonistas. Ainda assim, ela são importantes pois, sabemos, saco vazio…
Essa onda das paletas, ops, dos winebars é uma ótima oportunidade para o nerd do vinho (você mesmo que tá aí, lendo essa newsletter) aprender mais. Grandes são as chances do sommelier que te serve saber um bocado e gostar de espalhar esse conhecimento (claro, se a situação ficar mala, é só não perguntar tanto, o bom sommelier vai se ligar). Lembrando sempre que o Google é amigo e uma caixa de fichas técnicas, não deixe de pesquisar.
*
Na última semana, assim que chegou a frente fria numa noite chuvosa e sem graça, ganhei um vale-night e me arrisquei a sair para conhecer o Saída de Emergência, em Pinheiros. O bar é o irmão mais novo de restaurantes de carne como o Cór e o Osso e é a menina dos olhos do jovem Guilherme Mora, 28, um dos sócios da casa. O entusiasmo dele já havia sido antecipado pela coluna da Juliana Simon, no UOL, mas ainda assim chamou a atenção: era como a paixão de uma criança pelo brinquedo favorito, quase como se ele tivesse inventado o bar porque ama aqueles vinhos.



O bar é curioso, lembra um pouco um clima Nova York começo dos anos 2000, numa pegada se-o-café-do-Friends-fosse-um-bar. O som é total BR, tocou de Sandra de Sá a Novos Baianos. E os vinhos são muitos, muitíssimos, uma carta com mais de 200 rótulos clássicos e modernos, naturais e convencionais, não achei nada chato, tudo interessante, com uma seleção imensa em taça. Uma coisa legal é que a taça vendida ali é maior. Os preços vão de R$ 20 a R$ 167 pela taça de 140 ml. Como ela é servida num decanter, minha dica é dividir para beber mais rótulos. Agora, se você quiser uma taça de um vinho que só é vendido em garrafa, dá pra tentar compartilhar com outras mesas do bar, acionando uma sirene.
Achei que ia encontrar um bar vazio, mas fiquei até a hora de fechar e umas cinco mesas ainda persistiam, animadas (assim como a chuva). Se você também se animar, não deixe de tomar uma taça do rosé Philip Lardot Kontakt, a expressão mais chic do chiclete Ploc, e o Bourgogne Blanc Armand Heitz, salgadinho como a gente gosta.
Garrafa da Semana
Faz tempo que não indico tinto e, enfim, chegou a hora. É o Pierre André Côteaux Bourguignons 2022, feito com Gamay, festivo, delicioso, com nota de cereja madura e charcutaria, textura incrível e boa duração. Vem da AOC mais recente da Borgonha, que costuma fazer vinhos mais baratos (não é Pinot Noir, vale lembrar), e é importado pela Grand Cru, que traz seis vinhos da vinícola, de diferentes subregiões da Borgonha (se puder esbanjar, compre o Pierre André Bourgogne Hautes-Côtes de Beaune Les Forges AOP 2021, que vai ser mais barato que outros do mesmo lugar). Pra quem quer entender melhor a região e não tem dinheiro para esbanjar, vale juntar uns amigos e comprar umas garrafas pra provar estudando: são típicos e gostosos. Na coluna da semana passada da Folha, eu contei um pouco sobre eles e a hierarquização da Borgonha.
Viva a Espanha
Um guia completíssimo com as regiões vitivinícolas, roteiros gastronômicos, ranking de melhores vinhos e avaliações do que está à venda no Brasil compõe o Adega Espanha Guia de Vinhos 2024/2025, que a Inner lança nesta semana. Não é de hoje que a Espanha vem fazendo alguns dos melhores vinhos do mundo e eu, como fã de Garnacha, só posso dizer “eu já sabia”. Prova do meu amor está nesta outra edição, em que conto um pouco da louca viagem ao Priorato.
Já sentiu na taça o retrogosto do dinheiro?
Na coluna desta semana, comento o jantar harmonizado apenas com vinhos de 100 pontos Parker que foi o estopim da operação Bordeaux. Você pagaria R$ 14 mil reais para beber esses vinhos num único jantar? Você pode ler aqui.
Como a crise do clima afeta o seu PF?
A Gama publicou essa edição em julho e eu deixei passar, mas vai aqui a recomendação. Tem uma entrevista com a Tatiana Merlino, editora de colapso climático do Joio e o Trigo, que diz que é crucial pensar o mundo a partir do que a gente come. A revista investigou como o PF pode mudar e eu conversei com o Tuta Aquino, produtor de cacau e chocolate bean-to-bar sobre a crise do cacau.
Já foi ao Le Bulô?
Ah, se não foi vai ter que ir, pode ir se programando. Por aqui, deu até pane no sistema, não sei dizer mais qual é meu restaurante favorito pra peixes (antes era bem claro, se você acompanha essa news, sabe). Mas a real é que o chef Ricardo Lapreye, que comanda o Le Bulô, faz ali uma cozinha de pegada forte francesa, mas sem esquecer que tá no Brasil, com espaço pra inventar, mas sem pirar demais e virar só invencionice. E, o mais importante, é tudo delicioso. A carta de vinho, da mesma Monteleone citada lá em cima, é ótima, composta majoritariamente por brancos.



Lapeyre, que fez barulho no Rio com o Escama, é filho de chef francês e começou a lavar louça aos 14 na cozinha do pai para bancar fins de semana em Búzios com colegas da escola francesa. Passou por todas as estações, estudou na França, estagiou por lá, trabalhou para Alain Ducasse, foi pra Bélgica e, no Rio, abriu suas primeiras casas — até que chegou a hora de enfrentar o mercado paulista. Instalado há poucos meses no Itaim, o Le Bulô (que seria o trampo em grafia aportuguesada) tem um menu extenso mas que só serve o que consegue no dia com os fornecedores que vem e vão diariamente. Até a manteiga do couvert, com alga e salicórnia (uma suculenta), chama a atenção, numa festa doida do umami. Tinha ainda rillete de robalo com leite de coco e uma ótima conserva de bacalhau. Que mais? O tartare de vieira com ponzo e o crudo de olhete com shisô e tucupi são de desmaiar. Fui feliz, não tem porque esconder: lagostin na brasa com a manteiga que a gente espera de um DNA francês, boudin de cavaquinha com bisque e farofa cítria (uhlala) e o mais doido de todos, uma torta basca de haddock defumado, pura e total insanidade, iconic! Como se não bastasse, Lapeyre é bom de papo e tem ótimas histórias: se de um lado é filho de chef francês, do outro é neto de Jece Valadão e sobrinho-neto de Nelson Rodrigues. Minha dica final é: tente ir num dia menos cheio pra trocar uns dois dedos de prosa com ele.
Só mais um golinho
Quem nunca se sentiu ridículo? Mas é difícil controlar os próprios membros, às vezes.
“a expressão mais chic do chiclete Ploc” amei demais ♡