Borbulhas para siempre
Tudo o que interessa para manter seu espírito festivo e cheio de fizz nessa virada de ano
2023 foi louco por aqui. Ao mesmo tempo em que parecem caber três décadas de acontecimentos dentro dele, o ano voou como se fossem apenas dois dias. Acho que essa combinação terrível de tempo que se arrasta mas que voa nos deixa exaustos e, por isso mesmo, esta é a última news do ano. Pauso em janeiro também, mas prometo voltar cheia de energia depois desse recesso com dicas boas para seguirmos juntos no verão.
Em momentos como esse, falar de espumantes torna-se um assunto inevitável. Já escrevi tanto sobre eles que resolvi fazer um compilado aqui. Mas antes de mais nada dou meu conselho fundamental: em vez de comprar um importado barato, prefira um nacional barato. Espumante é talvez o estilo de vinho que melhor fazemos por aqui, em diferentes partes do país. Temos muita, mas muita coisa boa por menos de R$ 100 e por menos de R$ 60 encontramos espumantes bons para ser base de drinks. Eles são a cara das festas e do verão também.
Faz dois anos escrevi o trecho abaixo para a Gama, que continua valendo para hoje:
A maior característica dessa bebida enquanto categoria, eu diria, é sua imensa variedade de perfis: têm os levinhos para tomar sozinhos, com os amigos, num dia de sol, na balada; os que são ótimos para qualquer petisco e arrasam nos coquetéis ou no começo de um jantar; os supergastronômicos, que encaram qualquer prato, inclusive ingredientes que são inimigos históricos do vinho como ovo, azeitona, aspargos; e os supercomplexos, que eu não recomendaria para um dia de calor ou de festa porque precisam de atenção profunda, e que podem envelhecer por décadas.
Como escolher
Os espumantes são classificados pelo nível de açúcar, mas as origens também dizem muito sobre seu estilo porque cada uma delas tem suas variedades de uvas específicas, que são usadas tradicionalmente nessas bebidas.
Os mais famosos do mundo são os de Champagne, feitos por tradicionais maisons (como são chamadas as vinícolas por lá), que misturam muitas safras para adquirir sua marca. Os champagnes são feitos com Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier e costumam ser caros e cheios de informações sensoriais. Esses de grandes maisons dividem hoje o mercado com outros de pequeno produtor, que são o novo must da região.
Acontece que há um mundo infinito de borbulhas para além de Champagne. Mesmo na França, há os Crémants de Borgonha e os Blanquette de Limoux, só para dar outros exemplos. Eles são feitos em outras regiões francesas, com outras uvas e algumas vezes outros métodos. Com as mudanças climáticas, a Inglaterra tem se destacado na produção de espumantes (mas eles ainda são raros por aqui) e até os franceses têm comprado terras lá.
A Espanha ficou conhecida pelos cavas, feitos com uvas autóctones da Catalunha, com notas bem cítricas. O Freixenet, por exemplo, entrou com tudo no mercado brasileiro há alguns anos e virou figurinha carimbada nos supermercados. Da Itália, o Prosecco, feito com a uva Glera, foi superpopularizado nos início dos anos 2000 e virou uma onda gigante que varreu o planeta. É uma bebida levíssima, com aromas de fruta branca delicado e floral, nos melhores exemplares. Por aqui ficou conhecido porque uma das participantes dos primeiros BBBs bradava seus desejos por taças de Prosecco.
Chegando ao Brasil, nossos exemplares usam as uvas de Champagne, mas trocamos a Pinot Meunier pela Riesling Itália. Eles têm acidez alta, logo, são muito refrescantes. Os aromas costumam ser frutados e delicados nos mais bem feitos, mas há alguns que trazem até um tostadinho de brioche, característica que adquirem por passar mais tempo em contato com leveduras. O sul é a região mais famosa para essas bebidas. O Rio Grande do Sul tem algumas indicações de procedência como Vale dos Vinhedos e Pinto Bandeira e muitas, mas muitas vinícolas que fazem espumantes deliciosos, como Cave Geisse, Família Valduga, Estrelas do Brasil, isso sem falar no novo e moderno (ainda que antiquíssimo!) mundo dos pét-nats. Mas há agora lindos vinhos feitos na região da Mantiqueira e até uma nova produção na Chapada da Diamantina, como já contei aqui.
Além das regiões e estilos, na hora de comprar é importante saber que há métodos diferentes de produção. No Champenoise ou tradicional (ou, ainda, clássico), a segunda fermentação do vinho, essa que dá a borbulha, é feita em garrafa. Depois que o vinho base está pronto, é adicionado o licor de tiragem — uma dose de vinho com açúcar e um novo aporte de leveduras — e a garrafa é fechada por uma tampinha de cerveja. Esse vinho fica em contato com as leveduras por alguns meses, num processo chamado autólise, que forma as borbulhas mas também concede mais complexidade e cremosidade à bebida.
Ao fim de alguns meses, as leveduras são retiradas no dégorgement e, então, é adicionada uma nova dose de açúcar (a chamada dosage), que vai determinar o tipo de espumante,começando pelo Nature (mais seco) e passando pelo Extra-Brut, Brut, Seco, Demi-Sec e, finalmente, o Doce (ou Riche).
O outro método, o Charmat, é o de tanque, onde tudo isso acontece em grandes volumes. O mesmo tipo de gás é produzido, mas a bebida tem menos contato com as leveduras, o que faz uma bebida mais leve e fácil, para ser tomada mais descomplicadamente.
Há ainda o método ancestral, do já citado pét-nat, em que a segunda fermentação é feita na garrafa, sem que haja qualquer outro procedimento depois dela — e a tampinha de cerveja vai para a prateleira do mercado (leia esta reportagem da Gama para saber mais).
Outros bons conselhos
- Não pense em espumante apenas para brindar. Eles são absolutamente competentes e prazerosos para harmonizar uma refeição. Como encontramos espumantes de todo estilo, eles podem acompanhar muitos tipos diferentes de comida. Vai bem até com coxinha!
- Tem um espumante para cada ocasião, inclusive para a sobremesa. Nesta semana foi publicado na Folha de S.Paulo o resultado de uma prova de Bruts e Moscatéis e esta segunda teve minha participação no corpo do júri. Dois deles, que são mais doces e florais me encantaram, o Luiz Argenta (R$ 79), com perlage (a famosa borbulha) persistente, mousse boa e notas de fruta branca e de caroço, e o Garibaldi (R$ 35), com floral acentuado e perlage bem fino. Fiquei imaginando tomá-los com um prato de frutas no brunch, no meio da tarde ou depois de uma refeição leve. Delícia da vida!
- Não se prenda à taça própria para espumantes, a flûte. Na verdade, essa taça mais estreita e alongada é recomendada para manter a perlage viva por mais tempo. Mas se o seu espumante for complexo, vai ser triste demais usá-la porque os aromas ficarão fechados ali naquele caninho. Se tiver uma bebida melhor, prefira a taça universal. Ou, se tiver, a de vinho branco vai ser ótima.
- Para julgar bem um espumante, depois de colocar um pouco da bebida na boca, tente puxar ar e jogar a bebida para o fundo. Deixe a bebida parada e veja se os borbulhas preenchem bem sua boca. Avalie se o espumante o faz salivar, se sente sua acidez nos dentes. Ao engolir, preste atenção se seu sabor permanece na boca mais longamente.
- Nesse calor, tenha sempre um balde com bastante gelo e água o suficiente para que a garrafa se encaixe com facilidade e entre em contato com esse depósito de baixa temperatura.
Achou pouco? Tenho um podcast para indicar
Rótulos brasileiros abaixo de R$ 200
Provei no começo do ano o Guatambu Nature Blanc de Blancs e até agora não esqueci. É fino e delicioso, feito só com Chardonnay e apenas com o açúcar residual da uva. Outro do primeiro semestre que não saiu da minha cabeça é o Amitié Nature, que tem 18 meses sobre lias e também é feito com Chardonnay. Vez ou outra entra na promoção do Oba.
Gosto muito também dos espumantes da Casa Valduga, desde a linha mais simples e barata para boas mimosas, até o super Valduga 130, que é feito com as melhores uvas e de forma cuidadosa. É uma linha longa, que começa no Brut, bem tradicional, e vai ficando mais complexo com mais tempo de autólise (quando o vinho fica em contato com as leveduras). Mais barato ainda é o Valduga Sur Lie, que também é vendido em supermercados na faixa dos R$ 100. Alegria garantida.
Neste ano, provei e amei o Lirica Brut Rosé, da vinícola Hermann, que custa R$ 109. Tinha notas florais, um morango bem ácido e um perlage bastante persistente. Recomendo com ênfase. O Brut também é delicioso e o Crua recomendo se você quer algo mais moderno. Pra terminar, da Mantiqueira mineira, o Luiz Porto Brut também faz bonito. Todos estes deste bloco são bons acompanhantes para o jantar.
Se o seu lance é pét-nat, Vivente é um nome bom de se ter na ponta da língua. Amo o Glera-Chardonnay, que é leve e festivo, mas não está à venda no site deles. Quem está é o Chardonnay-Pinot Noir, que é um pouco mais complexo e intenso. Vinhas do Tempo e Arte da Vinha são duas outras vinícolas que merecem atenção e fazem coisas diferentes e atraentes (sendo a segunda talvez mais loucona).
Rótulos gringos abaixo de R$ 200
Se for pra gastar bem, bem pouco o Cava Castelfino Brut Jaume Serra resolve a sua vida (já resolveu muito a minha). Também gosto do Bernardi Jacur 765 Brut, que por menos de R$ 100 entrega muito. E, da Argentina, é bem interessante o La Linda Extra Brut, com Chardonnay e Semillon, que sai um pouco do comum e é bem seco.
Ah, e, por favor, sirva direitinho
1. Enxague muito, muito bem as taças. Detergente e borbulha não são muito amigos.
2. Espumante gelado nesse calor é melhor que apenas frio. Gele bem, menos de 10ºC, e tenha um balde de gelo pronto para depois que abrir a garrafa.
3. Para abrir, deixe o polegar sempre firme no topo da garrafa, ao abrir o arame da gaiolinha e mesmo ao girar a rolha na hora h. Elas saem com mais força se a bebida está gelada como a gente quer.
4. Para encher a taça, sirva primeiro 2cm do espumante, espere a mousse baixar, e aí sirva uma segunda vez até um pouco acima de meia taça.
Só mais um golinho
Adoraria ter feito minha lista dos melhores vinhos do ano. Não deu tempo, mas deixo aqui a do grande Eric Asimov, crítico do New York Times.
Feliz ano novo e, em algumas semanas, nos vemos novamente!