Chapar na Chapada, agora com vinhos
O Brasil aumenta seu mapa vitivinícola, inventa novos terroirs e oferece agora combinação de enoturismo e aventura
É meio maravilhoso pensar nas opções de enoturismo que temos hoje no Brasil. Há bem pouco tempo, quando se falava em visitar uma região vitivinícola brasileira, pensava-se apenas no sul do país. Mais recentemente, o Vale do São Francisco também virou opção. Mas nos últimos tempos, quem mora em São Paulo, Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em Goiás e na Bahia pode dar um rolê de carro de poucas horas e visitar vinhedos lindos, provar brancos e tintos em uma degustação mais formal, aprender in loco sobre esse tipo de agricultura e de produção, se espantar com a beleza desse tipo de cenário e fazer muitas fotos para rechear suas redes.



Faz uns meses, fui conhecer in loco os vinhos que estão sendo feitos na Chapada Diamantina. Contei lá na Gama como essa região virou vitivinícola, e já tinha antecipado a história anos antes no Estadão sem ter posto os pés lá. Sugiro a leitura na revista, mas, resumidamente, uma missão de técnicos franceses sacou que a altitude e a amplitude térmica dali poderiam ser alvissareiras para a maturação das uvas. Um empresário do café se animou com a ideia, contratou a consultoria de Murillo Regina, mago da poda invertida (técnica utilizada hoje no Sudeste do Brasil para enganar a videira no verão e colher no inverno, quando é seco) e cautelosamente montou uma estrutura que incluiu até uma minivinícola tamanho Barbie. Hoje, a estrutura impressiona e seus primeiros vinhos são lançados ao mercado. Essa história aí é a da Vinícola Uvva, que me levou a convite para conhecer seu projeto. Mas, claro, há outros fazendo vinhos por lá, como bem lembrou uma leitora da revista: @vinicolasantamaria, @vinicolavaz, @vinicolareconvexo, @vinicolasertania e @vinhasdomorro (esta última ainda a ser inaugurada).
O que eu não aprofundei na Gama foi a viagem em si. A chegada não é fácil. Do aeroporto em Vitória da Conquista até Mucugê, na região da vinícola, é um trajeto de mais de três horas por van, que balança, sobe, desce e vira bastante. Alugando um carro, se a turma for pequena, vai mais rápido.
Se você tem dindin pra gastar, tem um lugar mais que delicioso pra se hospedar, o Refúgio da Serra, do mesmo grupo da vinícola. O café da manhã, que privilegia iguarias locais, é imperdível: servem um fantástico cuscus de milho com ovo mole e queijo coalho.
Agora, o grande barato mesmo é juntar esse enorrolê todo à possibilidade de fazer turismo de aventura, com trilhas para ver cachoeiras lindas e flores como as sempre-vivas, que são patrimônio local, além de conhecer a história do garimpo e visitar Icatu, a Machu Picchu brasileira, ali do lado. Sempre bom poder dar uma arejada na cabeça (e nos sentidos) entre tanta taça cheirada.
Quem já viajou para conhecer vinícolas sabe como os vinhos ficam muito mais especiais e interessantes in loco. Na Uvva, o que mais gostei foi do espumante Extra Brut, corte de Pinot Noir e Chardonnay que é quase um mapa dos sabores criados pela reação de Maillard: há ali um caramelo perfeito. Destaco também um Chardonnay que ainda deve sair para o mercado — neste ano, espero. Diferentemente da safra atual do Microlote, que lembra os argentinos mais pesados e alcoólicos, o novo tem menos presença de madeira, mais acidez e equilíbrio.



A única coisa que me frustrou na viagem foi não ter visitado os restaurantes locais. Ieda de Matos, nascida ali e chef da Casa de Ieda, em São Paulo, bem que me alertou: “Coma a comida de dona Nena, a cozinheira mais antiga da Chapada.” Mas a programação de trabalho não permitiu. Se você, que me lê, programar uma viagem até lá, anote aí nas dicas: conhecer o godó de banana verde e o arroz de garimpeiro. Se já está curioso, mora em São Paulo e não quer esperar, a boa notícia é que no restaurante da Ieda você pode alcançar essa meta.
Garrafa da semana
Um dos vinhos laranja mais elegantes que provei nos últimos meses é o uruguaio De Lucca Naranjo, um 100% Marsanne, uva branca mais famosa do Rhône, conhecida por suas notas de marzipan e sua intensidade. Com o contato mais longo com as cascas, o vinho fica com uma cor linda, notas de mel e amêndoas e é bem gordo. O produtor, Reinaldo De Lucca, vale nota e atenção. A história do vinho uruguaio passa por ele de certa forma, já que foi um dos pioneiros da conversão de vinhedos em 1980, quando o país viu que podia ir além do garrafão e passou a plantar variedades e clones específicos para produzir vinhos finos. Provei o Naranjo duas vezes, em uma tarde de churrasco na praia e numa noite animada com as amigas. Ele segura qualquer coisa: vai bem só com conversa, brilha com pratos com dendê, segura uma mesa variada, vai lindo até com carne. Só evitaria pratos muito cítricos ou leves porque ele passará por cima.
Portugal com desconto
A importadora Zahil, que tem um catálogo cheio de nomões de Portugal como Casa Ferreirinha, Herdade do Peso e o porto Sandeman, entre outros, dá até 31/10 descontos de 15% nos rótulos. Ao comprar seis garrafas, sobe para 25%.
Novos Borgonha
A importadora Uva Vinhos (não confundir com a Uvva, vinícola da qual falei acima) acaba de receber um contâiner de vinhos da região mais festejada da França, “do norte ao sul, de Chablis a Mâcon, do Serein ao Saône”. Você pode ver o que chegou nesta leva aqui.
Café e fascismo?
O que a cafeteira italiana Bialetti e o fascismo têm a ver? O podcast Gastropolítica, em espanhol, explica essa e outras curiosidades em episódios curtos de até 15 minutos. No episódio sobre a mais icônica das cafeteiras do século 20, há até um homem que quer ser enterrado nela.
A comida e o mundo
Se você ainda não conhece O Joio e o Trigo, site de jornalismo independente sobre comida e política, tá moscando. Eles fazem reportagens investigativas que revelam o lado mais triste e complexo de como a gente se alimenta hoje. E têm uma lojinha pra ajudar a financiar o trabalho. Eu fui lá e comprei minha camiseta “faça amor e faça feira”.
Já foi no Baianada?



Por acidente, caí numa confeitaria baiana surpreendente, a Baianada. Fica no bairro da Liberdade, em São Paulo, no térreo de um prédio comercial, um pequeno balcãozinho, uma vitrine discreta com poucos itens. Mas ao puxar conversa com Kedma Coelho e Antonio Ferreira, os confeiteiros, outras delícias começam a atravessar a porta que divide o espaço de comércio e a cozinha. Acabei fazendo também uma degustação. Comecei pelo pão delícia, clássico das festinhas de Salvador, fofinho e cremoso. Provei a torta búlgara, que usa chocolate intenso em um bolinho meio brownie consistente e bom demais de mastigar (chewy!). Provei também o quindim com macarujá, liso e tropical como ele só, e o imaginei gigante, em cima da minha mesa, pra finalizar um almoço delicioso. E o que dizer da queijadinha com goibada cascão? O puro creme do queijo. Kedma é doce como os doces que faz e discreta, só depois a ficha caiu que ela é estrela do reality “Que Seja Doce”, do GNT. Antonio papeou mais e me contou que os dois vieram do Origem, retaurante badalado de alta gastronomia em Salvador. Mas são do Recôncavo e ele, agora, está há um ano em São Paulo preparando os quitutes da Baianada muitas vezes com ingredientes típicos de lá e difíceis de cá encontrar. É o caso do bolo de banana com licuri, imperdível. Ah, tem outra boa notícia: esse quindim gigante pode se tornar realidade, porque eles fazem sobremesas sob encomenda.
Só mais um golinho
- Já pensou fazer aquelas gemas curadas perfeitas em casa? Vi esse vídeo e fiquei bem a fim de tentar.
- E, pra terminar, uma mensagem motivacional pra semana que vem, que pós-feriado nunca é fácil: