Viver é perigoso, mas com vinho é mais gostoso
Sobre o mais recente tabu do mundo do vinho, o assunto de que ninguém quer falar
Tudo o que eu posso sugerir para os próximos dias é água e cautela. Sofro de dezembrite, cada ano é mais terrível, muito trabalho, muitas listas de afazeres domésticos, muita festa: é aniversário (o meu inclusive, alô inferno astral!), é confraternização de fim de ano dos amigos, é festa da firma, é amigo secreto da família, é Natal, é Réveillon. Muita comida, muita bebida. Com isso tudo, como as pessoas ainda podem falar em projeto verão?
Prefiro falar em projeto sobrevivência. E penso no assunto mais quente do momento, aquele que ninguém que gosta de vinho quer mencionar, o maior enotabu dessa década: as recentes pesquisas que dizem que nenhuma quantidade de vinho é ok para a saúde; tudo faz mal. Li muito sobre o assunto, odeio quem rebate evidência científica, e fiquei tocada com o texto de Eric Asimov, crítico de vinhos do New York Times, que basicamente diz que viver é perigoso, mas que precisamos fazer escolhas e assumir os riscos delas, levando em conta sempre os prós e os contras.
Ele fala sobre as alegrias que uma garrafa de vinho pode trazer. Desde a mais simples descontração em um ambiente tenso até momentos mágicos de conexão genuína. Olha, eu quase chorei lendo o texto, que me levou imediatamente para 2020, quando depois que as crianças dormiam eu colocava uma boa toalha na mesa, escolhia uma louça linda, as melhores taças, passava uma maquiagem, esperava o delivery e abria uma garrafa de vinho que era bebida a dois. O que acontecia ali à mesa, durante a refeição, era quase como a abertura de um portal para um mundo diferente daquele confinado. Parece que foi outra vida mas, há menos de quatro anos, não sabíamos o que seria do amanhã. Posso dizer que a cada fim de semana eu era salva por esse ritual em que o vinho era fundamental.
Por outro lado, eu não gosto do discurso do mercado. Em alguns dos eventos que fui nos últimos meses, as pessoas falam com tanto temor desse assunto que passam a contestar a ciência. Fico aflita porque me parece um pouco terraplanista e acho que, sinceramente, ficar reclamando assim não vai levar a lugar algum. Me parece mais pertinente assumir a responsabilidade pelo que se gosta e se quer, fazer escolhas conscientes, refletir sobre os problemas do mundo e como lidar com eles.
Eu não sei andar de bicicleta, nem gosto de fazer trilha no mato. Talvez tenha trocado esses riscos pelas minhas taças de vinho. Mas, após os 40, minha opção tem sido: beber menos e melhor. Só bebo o que gosto; se provo algo que me desagrada, abandono a taça sem dó, mesmo que não haja substitutos. Harmonizo sempre com muita água. Como bem, evito porcaria, faço exercício, tento dormir direito. Não bebo vinho todo dia e, em situações profissionais, cuspo. E no fim de semana não me furto de uma boa refeição com vinho, que já tornou especiais muitas refeições banais.
Viver sempre vai ser perigoso. Com vinho, é mais gostoso.
Garrafa da Semana
A convite da super sommelière Gabriela Bigarelli, experimentei o menu da Casa do Porco, cuja carta agora é feita por ela. Fiz a harmonização internacional e ali deparei com o Planeta La Segreta Il Bianco Sicilia DOC 2022, um achado dessa garimpeiras de rótulos. Agora tenho um problema: gostaria de tomar esse vinho sempre. Ele é o branquinho leve perfeito para tomar à piscina ou com uma salada, antipasti, comidas leves. As notas são ricas, por vezes aparecem as cítricas e de grama cortada; em outras, até pêssego e camomila. Sugiro bem geladinho e, prepare-se, vai dar saudades da praia.
Promoção de vinho por todos os lados
Estamos na véspera da Black Friday e pode ser a hora de preparar a adega para as festas de fim de ano e de verão, pois as importadoras estão colocando muita coisa com preço lá embaixo. De novo, é preciso cautela. Na coluna da Folha desta semana há uma série de dicas de como comprar vinho na promoção (também já escrevi essa edição da newsletter com dicas), além de uma lista de vinhos a partir de R$ 34.
E um tinto geladinho?
Também escrevi sobre essa nova corrente, a do tinto geladinho, na semana anterior. É uma delícia e a minha aposta para o verão de 2025. Assim como os claretes. Colo aqui um trecho:
Gamay, cinsault, criolla (ou sua homônima país), bonarda, alfrocheiro, zweigelt e até pinot noir são algumas das castas que brilham geladinhas. De denominações de origem como Valpolicella e Beaujolais também vêm ótimos rótulos que podem aterrissar diretamente no tal balde de gelo. Vale dizer que esses vinhos costumam ser descomplicados e, portanto, melhores se bebidos quando jovens.
O Top100 da Wine Enthusiast
Essa semana saiu a lista dos melhores vinhos do ano da revista, que eu tenho achado bem esperta no instagram, com matérias de forte apelo inclusive para quem não é enófilo, além de material educativo bem didático. Mas a lista me deixou decepcionada. Mais que isso, boladona. Se a revista parece tão conectada com as novas tendências, os vinhos são muito classicões, caríssimos, e muito americanos. Deixo aqui para a sua análise.
Jornada 6x1
Minha colega substacker Lena Mattar, que tem uma ótima news de comida e ótimas receitas, escreveu sobre a jornada 6x1 a partir de sua experiência pessoal. Ela trabalhou por dois anos como sommelière de restaurante, atendendo no salão. Na última edição que enviou, relatou o que significou para ela trabalhar durante seis dias da semana com apenas um de descanso. É um dos melhores textos sobre o tema que li. Você pode ler clicando abaixo.
Biblioteca de cozinha
Rodrigo Oliveira e Adriana Salay estão rifando duas séries de livros autografados por grandes chefs para juntar recursos para a última etapa da cozinha-escola do projeto Quebrada Alimentada. Na seleção, estão “Mater Catalogue: 30 Species for Central”, de Virgilio Martinez e Malena Martinez, um estudo sobre ingredientes peruanos nativos, e “The Noma Guide to Fermentation”, de René Redzepi e David Zilber, entre outros. Cada número custa R$ 100 e dá direito a participar de dois sorteios, que acontecerão no dia 19/12.
Canelle e Focaccia também nos Jardins
Se tem uma coisa que eu amo é cannelé. Mas curiosamente, eu não amei os que provei na França. A Padaria Na Janela faz um dos que mais gosto e a melhor notícia é que ela está se espalhando por mais bairros paulistanos: acaba de abrir uma loja nos Jardins, na Alameda Tietê 43 (já tem em Higienópolis, Perdizes e Bela vista). Ah, não dá pra não pedir a focaccia também, ponto altíssimo da padaria e o que sempre me salva quando tem visita.
Já foi no Clandestina?



Quando preciso encontrar alguma amiga ou amigo, é comum que eu marque um almoço às quartas no Cuia, da chef Bel Coelho, que fica no Copan, no centro de São Paulo. A reunião de pauta da Gama acontece ali perto quinzenalmente e tudo vale como desculpa pra comer um peixe com feijão manteiguinha. Mas bom mesmo seria se a reunião acontece ao lado do Clandestina, que abriu há alguns meses na Vila Madalena. Ou melhor, talvez fosse um desastre, porque eu jamais iria à reunião pelo tanto que comi e bebi na minha primeira visita. No último fim de semana, provei muitos pratos do menu, que é pensado para compartilhar. Fiquei muito impressionada com técnica, acabamento e sabor de tudo o que provei. Ela não me pareceu tentar inventar, mas dar prazer a quem come ali as suas releituras de clássicos (guioza, crudo, tempurá) preparados com os ingredientes que ela pesquisa há anos, desde os tempos em que viajou o país fazendo um programa de TV. É uma cozinha bem identificável, bem “Bel Coelho”, sinal de maturidade e de coerência também. São muitos os pontos altos, mas tirei meu chapéu para o tiradito de melancia com molho ponzu de tucupi e ervas, o guioza de pato, recheadíssimo, com jambu, tucupi e azeite de pimentas brasileiras, e o tortelli de queijo com caldo de cebola caramelizada e cogumelos, a verdadeira umamilânida. Tem um miniarroz com costela de curraleiro que sonho em reencontrar em farta poção, dentro da própria panela, num dia bem frio de inverno. Se você seguir meus passos e visitar o restaurante, não deixe de finalizar a experiência com a torta de queijo brulée com baunilha do cerrado e calda de jabuticaba.



Só mais um golinho
Esquisito esse lance dos drinks com sabor de comida.
♥️, acho que é isso mesmo, fazer escolhas e assumi-las. É difícil aceitar que o vinho também faz mal, nos que o amamos , mas negar também não da… peixes podem fazer bem, mas uma espinha não. Cuidar dos gestos com equilibrio ♥️.
A Na Janela abriu do lado de casa no mesmo mês em que foi diagnosticada minha alergia a glúten. Pensa uma tristeza. Mas às vezes eu como glúten sabendo que vou lidar com a consequência. É um jeito de viver perigosamente, kkkry.