Um tipo de vinho que é coisa de jovem
Quando a beleza do rótulo quer dizer alguma coisa e como o mundo do vinho tem mudado cabeças e paladares
Sempre fui da política de que não se compra vinho pela beleza do rótulo, que rótulo não quer dizer nada. Ultimamente, ando pensando que eu posso estar errada. Pode ser que um rótulo mais moderninho, tchans, seja a indicação de alguma coisa.
Nesta semana, ouvi o podcast Life and Art from FT Weekend, que discutia o que os jovens bebedores de vinho querem. Mais que uma boa pergunta, essa é A pergunta que move o mundo do vinho e que ouço sempre desde que eu pus meu pezinho nesta fronteira pela primeira vez. Neste episódio, minha colega Hannah Crosbie, jornalista especializada em vinho, conta que uma profusão de rótulos descolados, com incrível apelo visual, têm preenchido as prateleiras de lojas e empórios no Reino Unido. Dentro dessas lindas garrafas, os mais variados estilos de vinho, sendo quase nada muito complexo e quase tudo muito fresco. Outra característica é que eles trazem muita história na etiqueta. Especialmente a história de quem faz o vinho.
Quando eu comecei nessa área eu lembro que o grande pânico dos produtores era que o bebedor de vinho está ficando velho, meio prestes a morrer. E esse público não estava se renovando. Tava difícil pra caramba trazer jovens para a turma do vinho. Eles tavam mais interessados na revolução cervejeira e na nova onda da coquetelaria clássica, que abria espaço para a autoral.
Quase uma década se passou e uma coisa muito doida aconteceu: é como se o vinho tivesse se contaminado pela onda da cerveja artesanal e agora compartilhasse do mesmo público entusiasmado. É verdade que o jovem anda, segundo as pesquisas, menos baladeiro e menos alcoólico. É também mais consciente sobre a sua saúde e a saúde do planeta. Mas isso não é necessariamente um problema para os produtores. Pelo contrário: quem tem uma produção orgânica e principalmente biodinâmica atrai essa turma. Como bebe menos, esse jovem (talvez não tão jovem e com uma graninha a mais) prefere (e pode) beber melhor. No Brasil, na faixa de R$ 100 a R$ 200 é possível experimentar muita coisa mais fora da caixa, feita sem muitas regras, por pequenos produtores de diferentes partes do mundo e que fazem esses tais rótulos lindos seguindo uma filosofia ambientalmente amigável.
O mundo do vinho, que por tanto tempo bateu cabeça querendo se modernizar, parece estar finalmente conseguindo. É engraçado ver como as ondas muitas vezes se sucedem de forma alternada, assim como as gerações. Fico lembrando daquela série de comédia que passava depois da “Sessão da Tarde” na Globo, Caras e Caretas. O Michael J. Fox era um adolescente super reaça filho de pais ex-hippies, o clash de gerações era uma loucura. No vinho também é assim: saímos da Era Parker, dos vinhos super robustos, tânicos, complexos, que precisavam envelhecer antes de serem abertos, para esses vinhos super leves, frescos, que são descomplicados, divertidos, não se levam a sério. A começar pelas etiquetas, os nomes, é tudo uma grande festa.
Faz sentido também quando a gente pensa no paladar. A onda do tomate seco entre 1990 e 2000, depois o queijo brie reinando e derretendo em cima de tudo nos 2010, agora é caviar pra lá, botarga pra cá. Nosso paladar cansou de tanta potência, é como se o vinho tivesse passado uma década gritando com a gente. Agora, talvez o pessoal só queira um papinho ao pé do ouvido.
Dito isso, sei lá, talvez eu comece a me deixar seduzir por um rótulo bonito. Talvez eu não torça o nariz quando o vir na prateleira. Vou pegar na mão, girar a garrafa, ler o contrarótulo. Mas sem esquecer jamais os ensinamentos de quando me iniciei no ofício: não chute, cheque. Farei uma pesquisa rápida no meu celular. Se não achar nada ou descobrir que se trata apenas de uma iniciativa pega-trouxa de uma gigante do vinho, tchau-tchau. Pode ser que um rótulo bonito seja apenas um rótulo bonito.
Glossário
Se você ainda sente certa confusão sobre os termos orgânico, biodinâmico, natural, eu gosto muito desse texto que fiz para a Gama, sobre esses vinhos. Recomendo a leitura.
Não fale “vinho feminino”, mas beba vinho feito por mulher
O Dia da Mulher tá chegando aí e vale lembrar que não tem coisa mais brega do que dizer que um vinho é “feminino”. Toda mulher da área já vomitou pelo menos uma vez ao ouvir isso. Agora, vinho feito por mulher, ah, isso pode e tem coisa muito legal. Várias enólogas maravilhosas em diferentes partes do mundo. Em Portugal, penso na Susana Esteban e na Sandra Tavares. Na Argentina, Susana Balbo e Laura Catena são dois ícones. Quando estava no Paladar, fui ao Rhône a convite da associação de produtoras, mulheres fortes e maravilhosas, e provei coisas lindas de Châteauneuf-du-Pape do Domaine Mayard. No Brasil, a Bellecave tem um belo porfólio cheio de produtoras mulheres (Mayard incluído). E a Uva Vinhos está fazendo uma promoção com vinhos também produzidos por mulheres. E, na vibe do texto que abre essa newsletter, temos as brasileiras Marina Santos e Vanessa Medin arrasando por aí.
Garrafa da Semana
Este aqui é mais que apenas um rostinho bonito. Na verdade, ele não é rostinho nenhum, porque tiveram que tampar o rosto da criança que estampava a etiqueta por conta de legislação brasileira que não permite relacionar bebida alcóolica a infância. Por conta deste rótulo, na última importação, este vinho ficou retido por um bom tempo na alfândega, até que pintaram tudo de preto. Curiosamente, o vinho se chama Baby Bandito Stay Brave, 2021 - Chenin Blanc Maceração - Testalonga. Quem comprou em pré-venda, como eu, teve que se manter corajoso mesmo e aguentar a espera. No fim, valeu, adorei tomar meus Chenin Blanc sul-africanos laranjas, considerados unicórnios pois raros e lindos. Ele é um bom exemplo da história acima com uma diferença fundamental: dou a ele a nota de complexidade que a minha chapa ali do podcast descartou para esses vinhos. Dá pra provar esse Chenin encorpado e mineral e fazer uma boa reflexão.
Abruzzo redescoberto
O NYT deu um destaque danado para os novos vinhos de Abruzzo, uma região que oferece hoje grande custo-benefício (lembrando que isso não significa vinho barato exatamente, mas barato para o que é).
Ouça essa história
Alessandra Montagne é a brasileira que se prepara para assumir um dos restaurantes do Museu do Louvre, indicada por Alain Ducasse. No Podcast da Semana, da Gama, a Luara Calvi Anic entrevista essa chef de história incrível e inspiradora. É uma dessas que nos leva a pensar em como a gastronomia é muito mais que só comida chic.
Gelo diagonal
Realmente tem gelo de todo jeito hoje em dia, mas esse aqui me pegou. E não é nada difícil de fazer. Olha que dica boa: incline um copo com água até a metade dentro do freezer e depois apenas curta seu drink estiloso e geométrico.
12 receitas de Aperol
Daí, uma vez que seu gelo tá pronto, quem sabe você não experimenta essas receitas que parecem deliciosas e mais leves preparadas com aperol e com ingredientes tão exóticos quanto kombucha, cerveja e maracujá.
Só mais um golinho
Amém a todos os amantes de fermentados.
Eu sou uma das pessoas seduzidas pelo rótulo. Como não sou grande entendedora de safras e terroirs, já me dei mal. Mas já me dei bem também. Um vinho do meu agrado com um rótulo “tchans” ganha meu coração. Em tempo: sou publicitária. Rs
Ai que edição BOA! Vc colocou em palavras essa sensação que eu vinha tendo muito por aqui: muita garrafa de rótulo bonito, “sendo quase nada muito complexo e quase tudo muito fresco.” Sinto que o pessoal do vinho tradicional, aqueles que mais temem essa virada geracional, ainda está meio estacionado naqueles rótulos feios, viu? Pelo menos a maioria.
E dia desses tomei um laranja natural de Viognier la do Rhône - delícia pura! Tmb seria um tipo de “unicórnio” ou to falando besteira?