Um mar de vinhos pro seu invernico
O inverno, uma estação que talvez não exista, pede vinhos mais para alegrar do que para aquecer
Olá!
Entramos no segundo mês do inverno e não ia ser nada mal fazer uma listinha de vinhos matadores pra curtir um friozinho delícia, com os pés metidos em pantufas e os pescoços em cachecóis, esquentando bochechas e corações. Acontece que eu escrevo esse texto de Fortaleza (CE), onde tem feito, invariavelmente, máxima de 31º e mínima de 25º. Dá pra chamar isso de inverno? Dei uma olhadinha agora na previsão para São Paulo e me espantei com os atuais 22º às 19h. Como é que se faz uma lista de inverno desse jeito? Quantos julhos não foram também de pernas e axilas (!) de fora?
Para começar, um bom vinho de inverno tem que ser “grandão”: muito álcool (pra esquentar), muito corpo (pra aguentar as comidas mais substanciosas que a gente gosta nessa época), textura (tintos com taninos e brancos com untuosidade são exemplos), boa acidez (pra segurar o peso do corpo e do álcool e equilibrar tudo), e aromas que combinem mais com a época do ano.
Mas se não tá tão frio, de que adianta tudo isso? Melhor ajustar o equalizador: desce um pouco o nível do álcool e o do corpo; a textura a gente deixa no gosto do freguês e a acidez a gente mantém alta sempre, já falei aqui.
Como achar esses vinhos? Vou te dar uma regrinha para começar: regiões mais quentes costumam fazer vinhos mais amplificados e alcoólicos — a lógica é quanto mais sol, mais açúcar na fruta, ou seja, mais material para ser transformado em álcool. Pensemos em Mendoza, em certas regiões mais desérticas do Chile, no sul da França e da Itália, em Portugal, na Espanha que, com suas secas, entrega cada vez mais esses vinhos imensos. (E a ironia aqui é que cada vez fala-se mais em tintos leves, mas com o aquecimento global isso vai ficando mais difícil de fazer…)
A gente prefere sim tinto no inverno. Quem escreve sobre vinho tá sempre tentando vender os outros estilos pro frio, mas é o tinto pesadinho que cai bem mesmo quando a temperatura desaba. Mas se temos um pseudo inverno mais parecido com veranico, a melhor pedida pode ser um rosé dramático, um branco com peso e gordurinha, um espumante supercremoso, ou aqueles tintos que enganam fingindo que são leves. Vamos aos rótulos? Minha seleção é mais de vinhos alegres do qualquer coisa. Porque, se não for para aquecer fisicamente, que seja metaforicamente.
Entre os rosés mais intensos, penso logo em três rótulos: os espanhois Rochapel Rosado e Sonrojo e o brasileiro Clarete da Era dos Ventos. Os três são modernos e vão impressionar quem está acostumado com aquele rosinha pálido desmaiado e tão francês nas taças. Aliás, a indicação do brasileiro como rosado é até polêmica, porque já ganhou prêmio de melhor tinto brasileiro no Guia Descorchados de 2022. Mas, por aqui, vamos tratá-lo como rosé de inverno que tá bom e a gente não vai brigar.



Entre os brancos mais untuosos, o Gewurztraminer Terroir Valduga é ótimo e vai com curries e outras comidas cheias de umami. Dois brancos baratos pra facilitar sua vida: o argentino Cara Sucia Blanco, um corte louco de Palomino, Pedro Ximénez, Ugniblanc, Chenin, Moscatel Amarillo e Sauvignonese untuoso e gordinho, e o português Atlântico, feito pelo Alexandre Relvas, que é um mestre do Alentejo (região, aliás, que como é quente pra xuxu, sempre traz bons níveis alcoólicos pra essa época do ano). Este último, traz corpo pra comidas cremosas por menos de R$ 70.
Ah, e tem mais: o que é um laranja se não um branco que ficou tempo demais com as cascas no momento da fermentação? Isso faz com que tenha mais estrutura, o que é perfeito pra comidas com mais peso. Se você tiver sorte, vai encontrar no supermercado o Macerao, do Luís Felipe Edwards, que é uma pechincha, e vai levar um jardim inteiro ao seu nariz.
Se você estiver na fissura por um tinto, lembrei aqui de uma dica boa, chic e que vai te botar pra pensar, além de te fazer feliz: o Clos de Luz Azuda Garnacha. Ele vem do Chile e é feito com essa uva maravilhosa e pouco reconhecida, que faz vinhos alcoólicos mas não necessariamente pesados. O grande lance deste aqui é que é mais intenso, tem bastante textura (não é festa só pro nariz, mas pra boca também), acidez e adstringência, com taninos de ótima qualidade.
Encerro então essa listinha com uma promessa: se os termômetros caírem mais, volto aqui com uma lista cheia de potência, essa palavra tão desgastada nos dias de hoje em discursos e textões, mas que explica bem a intensidade que a gente quer pra esquentar.
Beer and wine, that’s fine
Sim, meu assunto primordialmente é vinho, mas adoro uma cervejinha e adoro uma cervejaria em especial, a Trilha. Eles fazem cervejas gastronômicas e cheias de sabor, capazes de despertar o paladar de um jeito que melhoram muito uma refeição. Muitas vezes, pra mim, foram elas A refeição. Agora para o “inverno” (olha lá a esperança batendo à porta mais uma vez) a dica é experimentar a Trilha Flanders Barrel Aged 4. Ela tem passagem por barrica e notas muito carameladas, apesar de ser ácida de doer o dente (frutona vermelha bem fresca). Fiquei imaginando que beleza com um cozido, nossa!
África do Sul mais natural
Com dias de vida, a Sorì vinhos salvou a minha vida, entregando um delicioso Cara Súcia Cereza (não provou ainda? já segura essa dica então) às 22h56 de uma sexta-feira, quando as garrafas foram poucas pra empolgação dos amigos. Ainda não consegui ir lá pra conhecer o espaço, mas quem sabe não vai ser na quinta-feira, dia 3 de agosto? Em parceria com a importadora Wines4U, que tem um portfólio bem baseado em vinho natural, eles fazem a noite Young Guns, a nova cara da África do Sul. A Andréa Machado, sommelière da importadora, fala um pouco sobre a produção atual que não tem nada a ver com o pinotage-borracha-queimada dos anos 1990. São cinco taças que vêm acompanhadas de comidinhas: três Chenin Blanc (entre eles El Bandito Cortez 2021 e Baby Bandito Stay Brave 2021), um Pinotage e um Syrah acompanhados de ostras, filé, berinjela e outros. Acho que vale inclusive porque sai R$ 168 por pessoa. Conhecendo os Baby Bandito e sua fama — são o que chamamos de unicórnio — parece uma pechincha.
Especialização em saquê
Falando na Andréa Machado, ela lança, junto à ABS-SP, uma nova especialização em saquês. Ela explica aqui no Instagram: “o curso é voltado para entusiastas da bebida que querem se aprofundar na historia, cultura, estilos, ingredientes, métodos de produção, degustação, harmonização” para se tornar um especialista. O saquê é um mundo inteiro e aqui eu fiz uma pequena investigação para a Gama. O master of sake Fabio Ota foi uma fonte e é também um dos professores do novo curso. Mais informações aqui.
Mais um copo de saquê
E falando em saquê, não sei se você já notou, mas tem cada vez mais bares e restaurantes apostando neles pra acompanhar sua comida e rechear sua carta. Já tomei saquê natural até no ótimo Beverino, um dos melhores lugares pra tomar vinho natural em São Paulo.
Já foi ao Ping Yang?
Saí de lá pensando que tinha sido o melhor restaurante do ano. Ou talvez ele só tenha me feito esquecer de todos os outros. É cozinha tailandesa de alta precisão, cheia de umami, e executada com muita elegância. O chef é o Maurício Santi, que pesquisa a comida da Tailândia há 20 anos, já morou e trabalhou em diferentes partes do país, em barraquinhas, em restaurantes pequenos familiares e em outros caros e chiquérrimos. Agora, ele abre o Ping Yang, cuja cozinha e cardápio parecem aproveitar tudo o que ele aprendeu nesses anos fora. Os pratos são feitos em quatro fontes de calor: fogo alto para as panelas wok em que a chama não para de subir, grelha (para espetinhos e grelhados maiores), fogão tradicional e o tao, um fogareiro típico tai de onde saem curries e sopas. O cardápio é dividido em seis, por médotos de preparo, e começa com crudos e saladas, além desses quatro gêneros. A minha piada, em qualquer restaurante cujo menu me agrada, é dizer que eu quero “um de cada”. No Ping Yang, realizei esse sonho e me sinto apta para dizer que não há decepções. Pode haver sim frustração: está sempre cheio e há uma fila enorme, sem fim, que faz qualquer um desanimar. O segredo é ser pontual, chegar às 19h. Ah, a carta de vinhos é interessante também, começa nos R$ 180. Tem vinho em taça por pouco menos de R$ 40 e muitos saquês (olha lá ele de novo). Fui de pét-nat Vivente, Glera e Chardonnay, por R$ 190, que foi bem especialmente com os primeiros pratos.



Só um golinho
- Um podcast sobre vinho espanhol, que eu tou vendo nascer e já te conto. São três amigos que moram em Madrid, e eu sou amiga de um deles, o Alisson Sellaro, que me levou em um bar incrível lá, o Vinology. Ouve aqui o On Wine, From Spain.
- Já quis fazer um drinque e não tinha aquele ingrediente? A Punch Drink ensina o que fazer quando não se tem o licor Chartreuse.
- A Juliana Simon, que você também conhece como @sigaocopo, lembrou dessa música ótima do Boris Vian. Embora eu beba por outros motivos…