Um jantar pode ser um respiro e uma viagem
O novo Arturito leva à Manhattan dos anos 1950-1960 com um Old Fashioned que faria Don Draper derreter
Ao escrever este texto no dia 1º de maio, Dia do Trabalhador, me pergunto como chegamos à loucura, à pressa, à pressão e à correria ininterrupta dos dias de hoje. Na Gama, relembramos esta semana uma reportagem do nosso primeiro ano cujo título trazia a pergunta: O que aconteceu quando o celular invadiu sua vida profissional? Será que foi ele que nos levou a essa situação? A possibilidade de trabalhar de qualquer lugar é libertadora e também aprisionadora, perdemos os limites de espaço, e também de tempo.
Nesta terça à noite, com a sensação de que a semana não seria suficiente para a minha lista de afazeres, fiz uma pausa para conhecer o novo Arturito, que saiu de Pinheiros e reabriu nos Jardins. Cheguei um tanto esbaforida, ainda acelerada, e tentando organizar mentalmente a hierarquia da minha produção, mas aos poucos fui sendo envolvida pela atmosfera do lugar.
Na primeira vez que fui ao Arturito, em 2008, um jantar de sexta-feira, lembro de ter a sensação de estar em um episódio de '“Sex and the City”. A série envelheceu mal, mas naquela época era tudo muito legal. O ambiente do antigo Arturito naqueles primeiros dias, com bar charmoso, luz baixa, sofá lateral, espelho e música, era acolhedor mas badalado numa pegada meio Manhattan 90s. Curiosamente, naquela primeira vez, não fui tão feliz com a comida, mas voltei várias vezes ao longo dos anos e entendi que tinha sido apenas (má) sorte de principiante.
O novo Arturito me levou a Manhattan novamente, mas uma imaginária, de 60 ou 70 anos atrás, que eu nem conheci. O salão é maior e mais suntuoso que o anterior, quase como se o Arturito fosse meio Fasano. Sentei em uma mesa no centro do salão, cercada por engravatados, e fiquei de frente pro bar, que agora é maior e mais deslumbrante. Quer mais Manhattan que isso? Agora, a série da vez era “Mad Men”.
Ir ao Arturito requer una buena plata, perdona el portuñol, porém oferece muito conforto e prazer. Ninguém vai dizer que a ideia (nossa, quem teve essa ideia?) é pedir muitos pratinhos para compartilhar. Há uma lista bem longa de entradas e uma mais reduzida de pratos principais. Em nenhuma delas há grandes invencionices, é tudo meio muito tradicional, mas feito do melhor jeito possível. Coisa de quem sabe das coisas. Escolhi a terrine maison, de porco, pato, pistache e mostarda à l’ancienne, e o cocktail de camarão, com camarão fresco, salsão, maçã e molho com pimenta fresca, os dois deliciosos e muito classudos. Na terrine, sentia-se todos os ingredientes. No cocktail, que era quase uma salada, a boca saía fresca e apimentada.
Para beber — e me teletransportar para a era da Sterling Cooper — o mínimo que eu podia fazer era pedir um Old Fashioned. Servido em copo baixo com gelo quadrado gigante, vinha com uma espiral de casca de cítrico e três cerejas ao marrasquino espetadas em uma espadinha de prata.
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Fã de “Mad Men”, uma das séries que marcam a segunda era de ouro da TV, eu já havia celebrado seus cocktails e pratos históricos em outras duas ocasiões. No lançamento de uma nova temporada em 2009, meus amigos e eu nos vestimos a caráter e preparamos hot dogs, guacamole, um panelão de vichyssoise e bandejas de deviled eggs, que foram degustados com Dry Martinis e Bloody Marys. Recebi os convidados com longa camisola de seda, muito delineador nos olhos, um bombril para aumentar o poder do meu topete e um cigarro (apagado) no bico — minha fantasia era “Betty Draper deprimida”.
Dois anos mais tarde, quando morava em Chicago, soube que um livro de receitas da série estava sendo lançado e propus uma matéria sobre ele para a Folha com testes de receitas. Preparei um bolo invertido de abacaxi (receita abaixo), fácil e delicioso.
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De volta ao Arturito, apesar da lista relativamente curta de pratos, precisei de ajuda. Conversando com o sommelier da casa, Bautista Casafus, o sommelier, descobri que o prato mais simples do menu, um ravioli de ricota com molho de tomates, era seu favorito: simples, mas muito familiar, fazia com que pensasse na mãe ou na avó. Na primeira garfada concordei: seria o prato feito pela minha mãe também, caso ela fosse uma cozinheira Michelin.
Pulando dos drinks para o vinho, fui de taça e provei dois rótulos, um branco (Aligoté) e um tinto (Coteaux Bourguignons, Gamay) de um mesmo produtor, Chapuis & Chapuis. O branco era superelegante, com um bom corpo e mineralidade, mas só senti a acidez no final (não sei se o álcool do Old Fashioned ficou tempo demais comigo). O tinto trazia uma nota de brett rústica mas não insuportável no nariz que não se confirmava na boca, onde ele era mais chic e carnudo. Ao longo do tempo, a rusticidade foi dando lugar a uma nota deliciosa de flor. Elegi essas minhas garrafas da semana. São importados pela Domínio Cassis.
Na hora da sobremesa, encontrei um… bolo invertido (!!). O cardápio trazia mais essa lembrança da série, que em vez do abacaxi é preparado com pêra e amêndoas e servido com creme inglês de cardamomo. Provei ainda o crème caramel com chantilly e amarena, que foi, na verdade, a maior surpresa da noite: delicioso e delicado, de textura perfeita.
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Se você for ao Arturito e pedir a pavlova, peça para acompanhar uma taça de Yuzumoon, um licor de limão yuzu feito com base de saquê. É delicado, hiperaromático, total coisa de doido.
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Com o corpo satisfeito (mas não pesado) e a cabeça leve, esqueci das minhas muitas tarefas pelas quase 2h30min que duraram meu jantar. Experiências gastronômicas, quando são completas, conseguem envolver mais que os cinco sentidos: elas funcionam quase como um reset para o cérebro e podem ser capazes de dar um alívio e uma ideia de “estou vivendo também, não apenas trabalhando”. Algumas vezes nos fazem viajar pelo mundo; em outras, nos fazem viajar no tempo.
Nem só restaurantes como este têm esse poder (embora neles seja bem gostoso). Já tive muitas outras noites felizes de “reset" em casa, com uma comida feita e servida de forma caprichada. Não conheço melhor remédio pra sentir uma alegria quando estamos tristes ou reduzir a ansiedade da multitarefa. Ainda que essa maldita volte na manhã seguinte com tudo.
Que tal fazer uma receita de época?
Deixo aqui para os saudosistas e/ou animados, essa receita vintage que fiz há mais de uma década e que fiquei com vontade de retomar. Está no livro “The Unofficial Mad Men Cookbook - Inside the kitchens, bars and restaurants of Mad Men”, de Judy Gelman e Peter Zheutlin. Dele, também fiz uns camarões gigantes com muita manteiga, salsa e alho no forno.
Bolo invertido de abacaxi
Cobertura
5 col. (sopa) de manteiga
¾ de xíc. de açúcar mascavo
De 7 a 8 fatias de abacaxi em conserva (reserve a calda)
Noz-pecã e cerejas em calda
Preparo
Cubra uma frigideira de 25 cm com papel-alumínio. Preaqueça o forno a 180ºC. Coloque a manteiga na frigideira e leve ao forno até derreter. Misture o açúcar. Arrume o abacaxi na frigideira. Coloque uma cereja em cada um e as nozes entre as fatias.
Bolo
10 col. (sopa) de manteiga
1 ½ xíc. de açúcar
2 ovos grandes
2 xíc. de farinha de trigo
3 col. (chá) de fermento
1 col. (chá) de sal
½ xíc. de buttermilk
¼ de xíc. da calda do abacaxi
1 col. (chá) de extrato de baunilha
Preparo
Bata a manteiga, adicionando o açúcar e os ovos. Numa tigela, misture farinha, fermento e sal. Em outro recipiente, misture buttermilk, calda e baunilha. Una tudo lentamente. Coloque a massa na frigideira. Leve ao forno por 50 min. Desenforme e tire o alumínio.
Um vinho de R$ 700 é dez vezes melhor que um vinho de R$ 70?
Essa pergunta guiou a minha coluna desta semana na Folha de S.Paulo, em que eu conversei com três outros especialistas em busca da grande dúvida da humanidade: é possível beber bem e gastar pouco? Tem dicas muito boas ali, como fugir das regiões mais hypadas e entender que muitas vezes menos é mais.
Só mais um golinho
Essa vai pra quem ama tanino.
Gente, preciso desse licor!
O que você achou deste tawny? 🍷