Quem ainda aguenta pratinhos para compartilhar?
Bastam os tantos pratos que rodam sobre nossas cabeças
Com fome, eu fico um pouco irracional; foi o caso. Chegamos às 19h30 para jantar, eu e mais quatro, todos adultos. O restaurante tinha acabado de completar o salão para o primeiro giro, logo, provavelmente não sentaríamos tão rápido, ainda que fosse nossa a próxima mesa. Mas daria para comer no parklet da espera, o que nos fez respirar aliviados.
Sentamos, recebemos os cardápios, a hostess veio retirar os pedidos: bebidas primeiro. “E aí vocês podem pedir comidinhas até a mesa liberar.” Só que eu estava com fome, ela já havia dito que poderíamos comer ali e queria meu prato sem enrolação. Aquele, afinal, era um dos únicos restaurantes que não operam com mil pratinhos para serem compartilhados, e por isso também foi o eleito da noite. Saiu como um latido: “não, a gente já quer pedir os pratos mesmo”. A hostess não parou de sorrir e deu início ao serviço mais passivo-agressivo que aquele grupo de pessoas já viu.
Devo ter puxado algum gatilho dela, mas ela também puxou o meu: quem quer “comidinhas”? Pratinhos para compartilhar: até quando, meu Deus? Sei que é bom experimentar de várias coisas, mas às vezes tudo o que se quer é um pratão de comida bem gostoso pra se charfurdar.
Faz tempo que reflito sobre esse sistema que conheci em 2011, quando vivi em Chicago e restaurantes bem moderninhos como o Avec e o Publican, do restaurateur Paul Kahan, um nome forte da cena local, me apresentaram ao conceito. Naquela época, era como se eles democratizassem a ideia de um menu degustação, trazendo ao centro da mesa a possibilidade de mais gente provar mais processos, ingredientes, criatividade. Acontece, como bem escreveu Rodolfo Reich, em Los 7 Canibales, que o menu deveria ser a exceção, e não a regra, por um motivo muito claro: cansa. Provamos tanta coisa que no final não lembramos de nada.
Entendo que esse tipo de sistema mostra as habilidades dos bons cozinheiros. Também entendo que a conta dos restaurantes não fecha e que esse é um jeito de ter um tíquete médio mais alto, afinal geralmente pedimos mais pratos do que o número de comensais sentados à mesa. (Por outro lado, são necessários mais ingredientes, mais contratos com fornecedores, etc. etc.)
Se esses palpites estão certos e as comidinhas caem bem para os chefs — que precisam se destacar, entrar nos rankings e assim atrair mais público — e para os restaurantes — que enfim podem operar no azul —, para quem come é mais fácil se enfastiar. Esse mesmo sistema nos educou e nada mais parece novidade porque nosso repertório já está muito ampliado, já vimos e comemos de tudo na última semana quando fomos a dois lugares, experimentamos 27 pratos e deixamos os olhos da cara, as calças e os rins.
Torço para que a tendência pereça e voltemos ao bom e velho pratão. E, se a gente quiser dividir alguma coisa, cada um que coma sua metade e depois troque o prato, como já se fez um dia. Será que, assim, a conta fecharia para restaurantes e comensais?
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O grande Josimar Melo compartilha comigo (nesta coluna no UOL) o mesmo pratinho de drama, mas com outros artumentos. Tem a coisa do seu acompanhante ter gostos (e necessidades) completamente diferentes dos seus e, ainda, a saliva de pessoas nem tão íntimas assim.
Já voltou ao Corrutela?


O Corrutela saiu do esquema pratinhos-para-compartilhar e voltou ao prato principal. Foi a terceira vez que fui ao restaurante e, definitivamente, a mais feliz de todas. De entrada, pedi as cavaquinhas grelhadas com manteiga de urucum, alho e genbibre. Minha amiga passou dali para o peixe do dia com banana da terra e molho de misô e manteiga, um acerto completo. O peixe estava cozido no ponto, úmido e com a pele super dourada e crocante. Já eu fui na bochecha suína, com polenta cremosa e salsa verde que era super bem servida e acabou sendo embalada para viagem. O que foi outro acerto, assim pudemos pedir a sobremesa, o manjar com doce de abacaxi, que me levou à infância. Agora, uma ótima notícia para quem gosta de vinho: a casa serve taças com medidor de 150ml e tem uma carta ótima com brancos como o St. Georgenhof Riesling trocken. O preço já não é tão emocionante: as taças custam entre R$ 39 e R$ 50.



Garrafas da Semana
Foi bem difícil escolher a garrafa da edição, porque encasquetei que, com a chegada do inverno, deveria escolher um tinto. Preço tá bem difícil esses dias, então resolvi que seriam duas garrafas, uma abaixo de R$ 100 e outra na faixa dos R$ 200. A primeira, mais em conta, não é exatamente um vinho da moda, mas um que vai te abraçar numa noite mais fria: o tempranillo Copa Real, de Castilla de la Mancha, que tem passagem por três meses em barricas de carvalho americano e logo fica com aquele toque meio chocolate prestígio que para uns é meio demodé, mas para mim é delicioso. O segundo tinto é mais leve e cheio de acidez, o Morgado do Quintão Clarete 2022, uma jóia feita por Joana Maçanita que se destacou entre todos os vinhos que provei na ótima harmonização do restaurante Nelita, em São Paulo. É um ótimo custo-benefício, perfeito para ser aberto quando queremos alongar uma noite com os amigos.
Tá sentindo esse cheiro?
O nariz nunca foi o meu ativo mais forte como degustadora. Ainda assim, não foi difícil entender o que é uma bebida com notas mais funky. No vinho, é geralmente assim que se chama carinhosamente o efeito da brett, uma levedura que pode aportar complexidade ou deixar um vinho totalmente deprimente. Na última coluna da Folha, escrevo sobre isso.
Antes que o inverno chegue
Ou mesmo quando ele chegar, prove os rosados superintensos, que também foram assunto da coluna na Folha. Sugiro cinco rótulos, entre eles o ótimo Gran Feudo, espanhol e quase escarlate, importado pela Mistral. Esse tipo de vinho vai bem especialmente com comida e, como muitos são feitos com Garnacha, são alcóolicos e perfeitos para esquentar pés e orelhas. Também falo de Tavel, uma AOC na França que já foi a favorita de papas, reis e de célebres escritores como Baudelaire e Hemingway.
Já foi ao Jiboia?
Não queria me despedir sem falar do novo bar da Santa Cecília, que conjuga bons drinks autorais sem afetação, um menu de comidas que aguça o paladar e uma enxutíssima mas boa carta de vinhos (taça de Bico Amarelo, Claude Val e C’est la Vie por R$ 36). Do bar, provei o drink que leva o nome da casa, com uísque e abacaxi com gelo no copo alto, e o serpente, com uísque, porto branco e limão na taça de dry martini; ambos ótimos. Para comer, fui no sanduíche de kafta suína, shissô e molho picante. Mas a acelga na brasa com missô e farofa de milho também piscou pra mim. De olho na foto do cardápio, vou ter que voltar logo, até porque também tem espetinhos e torta basca.
Ainda cabe um docinho?
A melhor notícia para os laricados de plantão é que A Bela Sintra, clássico restaurante português que tem no seu carrinho de sobremesas uma instituição, agora faz delivery de seus doces conventuais como a siricaia, ovos moles, o toucinho do céu e outros. Peça pelo Ifood.
Um cafezinho e um aviso
Essa newsletter vai parar por umas semanas, mas volta em agosto. Espero que todos se divirtam e descubram novas taças. E, se quiserem, deixem a dica na caixa de comentário no final.
Só mais um golinho
Me senti representada!
Obrigada por indicar tintos, meu coração friorento fica feliz ❤️🥰