Quando será que minha boca vai parar de salivar?
Grandes brancos e um tinto gostosão, os naturais que invadem São Paulo, o Dia dos Namorados, o novo bar da De la Croix e muita, mas muita leitura
Já se passaram mais de 24 horas e minha boca segue salivando: a culpa é dos grandes brancos da Bairrada que provei na última terça-feira (3). Eram vinhos impressionantes, deliciosos, nascidos na Quinta das Bágeiras.
Provei esses rótulos na pequena feira ibérica, promovida pela Premium, cujo mote era “pequenos produtores, grandes vinhos”, com seis vinícolas, sendo cinco portugueses e uma catalã. É um exercício interessante notar a acidez lusa, já bastante comentada em outras edições desta newsletter — como é reconhecível, direta, vertical. Quando cheguei aos vinhos da Catalunha, de um ótimo produtor, Altavins Viticultors, já era outra brincadeira: brancos mais gordinhos, tintos com bastante fruta e ataque doce.
Não provei às cegas, obviamente, mas com uma degustação mais consciente, prestando atenção, vamos aprendendo o que é a tal tipicidade, que é como se fosse uma “linha editorial” de um lugar. Por mais diferentes que sejam os produtores, seus estilos, têm algo que liga os diferentes vinhos, e que vai além das variedades autóctones.
Voltando aos vinhos que me deixaram de queixo caído: de sua região, a Bairrada, situada na província da Beira Litoral e na região do Centro (região das Beiras), eu já conhecia o ícone Luís Pato, produtor célebre por domesticar a baga, uva autóctone de taninos duros e muita adstringência. É uma lenda local mas também portuguesa, pois faz vinhos de elegância extrema, que são trazidos pela Mistral. E uma figura também, super bem humorado, com seus enormes bigodes e hábito de mostrar a língua sempre que aparece um flash.
Pato é pai de outra produtora que está fazendo história, Filipa Pato, cuja importadora é a Casa Flora. A enóloga é conhecida por seus “vinhos sem maquiagem”. Por maquiagem, entenda-se “subterfúgios enológicos”, ou seja, são vinhos de baixa intervenção. Dela, é um ótimo custo-benefício o espumante 3B Rosé e são deslumbrantes o branco Nossa Calcário, complexo, fresco, mineral e untuoso, e o Post-Quercus, tinto que vem numa garrafa de 500ml e que é a materialização da elegância.
Pois são assim os brancos da Quinta das Bágeiras, a começar pelo Colheita Branco Chumbado 2020, o mais pagável de todos, um corte de Bical e Maria Gomes, uvas locais que também são trabalhadas pelos Pato. Se você tá a fim de gastar de verdade, eu sugeriria investir no Quinta das Bágeiras Garrafeira Pai Abel 2019. Aí, é realmente coisa de louco, cremoso, gostoso, uma máquina de salivação.
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Para quem se animou a conhecer mais dos vinhos lusos, há outra oportunidade nos próximos dias, quando será realizada a feira Vinhos de Portugal: de 6 a 8 no Rio, no Jockey Club na Gávea; e de 13 a 15 no Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera, portão 3.
Garrafa da semana
Indico todos os vinhos acima, mas como anda meio frio e eu não tenho me dedicado tanto aos tintos, faço a reparação com um alentejano, o Lobo de Vasconcellos Perescuma Tinto 2021, um corte de Touriga Nacional e Alicante Bouschet, que traz fruta e floral e é absolutamente gostosão. É desses que vai bem para levar à casa dos amigos, vai agradar e impressionar a todos. Vai com carne, massa com molho vermelho, frango assado (estou aqui pensando em um que fiz em casa com 5 especiarias chinesas da Bombay, sabe qual é? Se não, procure saber! Uma dica dentro da dica).
Deixa acontecer naturalmente (mas garante o ingresso)
Estamos no superjunho do vinho, como é sabido, e os naturais entram no foco também com a realização da 13ª Naturebas e muitas programações paralelas e alternativas. A feira acontece nos dias 21 e 22 também na Bienal, e sugiro que, se você tem interesse, corra para comprar o ingresso porque eles esgotam rápido. Na semana que antecede a Feira há dois eventos no Cine Cortina, ambos com degustação, com o produtor radical do Loire Jean-Pierre Rubinot e a documentarista catalã Clara Ismat. A agenda está aqui.
Também dá para comprar ingressos para a quarta edição da Segunda Taça, feira com curadoria da sommelière Gabriela Monteleone que reúne 25 projetos de vinho no Futuro Refeitório. É mais intimista e mais tranquila, talvez dê para conversar mais com os produtores. Sem falar que tem nomes exclusivos no evento, como Cara Sur, Matías Michelini e Tutu Wines (Argentina).
E é bom ficar também de butuca ligada porque muita coisa vai surgir nos próximos dias. Já soube que a Toque de Vinho vai fazer duas programações: uma degustação harmonizada com os vinhos de Agostina De Lucca, produtora uruguaia, no dia 18, para 20 pessoas; e uma feirinha de naturais com presença de produtores no 19, com comidinhas e taças. Informações no (11) 96377-8502 ou no Instagram.
Dia dos Namorados da Carlota
Eu sou grande defensora de comer em casa nesta data e esbanjar em vinho, mas se você está totalmente sem saco de cozinhar (sim, eu também estou), já vi que tem algumas opções interessantes com menu fechado. Entre as mais legais está o encontro da Carla Pernambuco com a confeiteira Juliana Penteado, radicada em Lisboa e jurada do Masterchef local. Na Gama, meu colega Amauri Terto contou a história dela, como foi parar lá, e como é a sua confeitaria, de pouco açúcar, delicada, inventiva e cheia de frutas. Será um cardápio a quatro mãos para 30 lugares. Reservas no (11) 98225-6030.
Já foi na nova De la Croix?
Eu demorei, mas enfim apareci na casinha da alameda Casa Branca, nos Jardins, em São Paulo. A convite da importadora, participei de um jantar hamonizado com vinhos biodinâmicos e assisti à aula da enóloga especialista Deise Pelicioli. Contei um pouco sobre sua visão e a filosofia que faz vinhos cheios de energia na última coluna da Folha. Colo aqui um trecho:
A ideia do biodinamismo é deixar o solo vivo, cheio de energia, transformar a vinha em um ecossistema harmonioso e diverso, algo totalmente diferente da monocultura, tão comum na viticultura mais convencional. Toda a fauna e a flora presentes no sistema biodinâmico se autorregulam e estão em conexão com os astros, que têm efeito sobre as plantas e bichos e pedem a atenção do homem, pois o que acontece no céu indica o que deve ser feito na terra.
E aqui estão os vinhos servidos no jantar, cheios de energia: um espumante (maravilhoso!), dois brancos, dois tintos e um botritizado, doce a partir da chamada podridão nobre.






Vale dizer que a comida da casa nova está tão boa quanto os vinhos do portfólio da importadora. Fiquei encantada especialmente com a sobremesa, um pain perdue feito à perfeição. A assinatura é da jovem Magali Samblas. E minhas fotos não me deixam exagerar.



Para ler
(A vida tá corrida, tenho medo de não conseguir manter a periodicidade nas próximas semanas com tantas feiras e eventos de vinho e também os literários, então deixo aqui ótimas indicações de leitura, caso você tenha saudades do nosso papinho.)
- Menu degustação, a exceção não deve ser a regra, do 7 Canibales
- Restaurantes que trocam a tecnologia pelo bom e velho cara a cara, do Food and Wine
- Do outro lado, o chat GPT como ferramenta de chefs, do NYTFood
- Paz Levinson e a nova onda da Somellerie, do 7 Canibales (mas já escrevi mais ou menos sobre isso aqui, na Gama)
- Dois minutos com Nicolas Joly, papa do biodinamismo, do Wine Spectator
- Como uma pequena família de importadores lutou contra as tarifas de Trump, do Vinepair
Só mais um golinho
E, afinal, quem não gosta?