Qual é sua bolha gastronômica?
Se o país abre mais de 16 mil restaurantes por ano, por que comemos (e queremos comer) sempre nos mesmos lugares da nossa turma?
A que restaurantes você tem vontade de ir? Tem uns três ou quatro novos de São Paulo que eu não vejo a hora de conhecer. E tem aqueles também que ficam passando o tempo todo na minha timeline: um amigo vai, um foodie que eu sigo também, um jornalista de gastronomia comenta. E, para a surpresa de zero pessoas, são sempre os mesmos bares, restaurantes, cafés, etc.
Outro dia, li na Página Cinco, do Rodrigo Casarin, sua reflexão sobre só lermos os mesmos livros, lançamentos ou clássicos, como se estivéssemos fechados numa bolha. Hmmm, acho que estamos sim.
No mundo dos restaurantes vejo dois problemas, além do fator novidade. O primeiro é que estamos imersos, como em muitas e muitas áreas, nas redes sociais, que nos mostram os momentos felizes dos outros e nos despertam curiosidade, desejo e inveja (por que não?). A gente quer ir no bar e no restaurante que mais aparece em fotos lindas, e lá podemos ser sorridentes e lindos também; a gente quer comer a comida e beber o vinho que as pessoas legais estão mostrando. Claro, vai querer dica de gente chata? São os mesmos restaurantes que sempre aparecem nos perfis da turma mais descolada, dando aquela sensação de que só você ainda não aproveitou, que tá perdendo tempo, que é melhor dar um jeito de ir logo lá.
O segundo problema é a força da grana que ergue e destrói coisas belas: quem tem dinheiro pra investir em boa assessoria, influencer, evento, PR, lobby, entra na boca do povo fatalmente (e literalmente). Se não é novidade, inventa novidade. Arrasa na foto, cada mergulho é um flash, e entra nos rankings também — os melhores do bairro, da cidade, do país, do continente, do mundo, da revista, do site, dessa newsletter (haha).
Às vezes o hype é justificado e essa coisa de inventar novidade se chama apenas bom trabalho. A equipe do restaurante tá ali se matando pra montar cardápio sazonal, pra fazer festival, pra melhorar pratos e ambiente e fazer e acontecer. Outra vezes, nem tanto assim e dá uma dorzinha quando você paga a conta e sai com a barriguinha triste e o bolso leve do recinto, se sentindo meio trouxa. Quem nunca?
Voltando aos livros, Casarin escreve assim: “O mercado vive de novidades, é da natureza da imprensa estar em busca de novidades e os leitores [aqui você pode trocar por comensais] parecem cada vez mais querer ler [comer] o que seus colegas já estão lendo [provando] e validando. Mas não quer dizer que a roda precise sempre girar dessa forma.”
Concordo, e não precisa mesmo. E é por isso que eu resolvi fazer uma lista de restaurantes que não estão bombando no meu feed mas que são maravilhosos e que eu estou morta de vontade de voltar a eles. Deixo aqui dicas de lugares em São Paulo e provoco a quem estiver em outras cidades e se animar que deixe nos comentários dicas de delícias pouco reverenciadas de outras cidades deste grande Brasil.
Bistrô de Paris — Cozinha francesa de verdade e feita com técnica precisa é aqui. Ele é escondido, não está na moda, mas sempre entrega. O cassoulet é de chorar. Tem confit, tem boef bourguignon, tem terrine. Tem ótima charcutaria, belos defumados, patês fantásticos. Fica no fundo de uma vilinha, não é afetado, é bem lindo na verdade. Se você quiser comemorar aniversário, tem uma salinha e dá para fechar. E dá também para pedir muitas das delícias em casa na lojinha com delivery. Não é barato, mas vale pra uma comemoração ou pra se esbaldar na cozinha francesa no dia que o salário cai e antes que ele evapore.
Amadeus — O salão é a cara dos anos 1990, os pratos podem ter um ar vintage na montagem e até na exaltação de alguns ingredientes, mas a cozinha, baseada em frutos do mar, é impecável. Os ingredientes são de primeiríssima, temperados e cozidos no ponto certo. O camarão com curry e arroz negro é maravilhoso, assim como as ostras (imperdíveis) e as vieiras (não tem nada melhor nessa vida). A carta de vinhos é completa e tem coisa boa e pagável. No dia que fui, bebei um Pêra Grave branco, vizinho do Pêra Manca. Mas, sim, no geral, é um restaurante caro, também para as comemorações.
Casa Garabed — Faz tempo que eu desejo comer os quibes cozidos na coalhada de lá, embora o que seja famoso mesmo são as esfihas desta casa armenia fundada em 1951. Tenho uma lembrança de ir comprar sapatos na loja gigante que tem ali pertinho e depois me empanturrar de uma comida saborosa cheia de especiarias.
Sushi Yassu — Esse é um clássico pessoal, frequentado incansavelmente por mim quando estava grávida do meu segundo filho e precisava fugir de carboidrato e me jogar em proteína: haja tepan de peixe com ovo! Se você tem criança (e o meu primeiro era bem pequeno quando eu ia mais), é perfeito porque dá pra reservar aquelas salinhas de tatame e pedir uma caixa de brinquedos. Tem sushi e comida quente. É honesto, saboroso e divertido para família ou para um date mais privé.
Halim — Frescor puro em suas saladas, fatouche e tabule, pastas cremosas, kebabs excelentes e o maravilhoso uzi, um folheado recheado de arroz e cordeiro, que você leva pra casa, põe no forno, depois rega no azeite e come feliz com uma bela salada, para lembrar de como o almoço mais cedo foi maravilhoso.
Petiskin do Bob — O mais louco é que esse entra na lista menos pela comida e mais pelo ambiente, pela possibilidade de uma botecagem praieira em plena Pompéia. Quer ir à praia nesse verão mas não vai dar? Senta lá na calçada que dá-se um jeito. A sensação é de estar à beira-mar, com boas opções de drinks, cervejas e uma carta de vinhos recheada de brancos, espumantes e rosés. Tem bolinho de bacalhau, moqueca, casquinha de siri. Só o ceviche que exagera na acidez; esse melhor comer em outro lugar.
Garrafa da semana
Os amantes de tinto por favor me perdoem, mas tá difícil indicar qualquer coisa que não seja branco nesse calor. E esse português aqui, o DSF Verdelho, que eu provei numa degustação de primavera, é na verdade a cara do verão, porque dá pra se imaginar num campo bem verde, quando o sol intenso seca a chuva que caiu pouco antes e sobra apenas um cheiro de mato fresco. Esqueçam a pirazina, o vegetal aqui é outro. Complexo e também muito prazeroso. O corpo é médio, então a harmonização dá muito jogo. Com sushi, será um sonho. Feito com Verdelho na Península de Setubal, mais conhecida por seus moscateis de sobremesa, vale para sair do comum. Ah, e DSF é a assinatura de Domingos Soares Franco, o enólogo.
Os melhores livros de vinho de 2023
O crítico do New York Times Eric Asimov elegeu os melhores livros sobre vinho do ano e incluiu ali a história de um americano que vira produtor na Borgonha, um guia para mais de um século de safras de Bordeaux e outro para beber vinhos australianos. Tem também a nova edição do Oxford Companion to Wine, que traz mais informações sobre novas regiões vinícolas e o aquecimento global.
Tropicalidade tem limite?
E essa moda de usar a casca da banana para deixar os drinques mais tropicais? Achei bem esquisito, não acho que essa doce e deliciosa fruta seja o que eu quero nas minhas taças, mas vai que você anima… O Punch Drink explica como usar.
Uma salada de arroz selvagem
Se você, como eu, só quer comer salada nesse forno em que vivemos, vai aqui a dica de uma receita com arroz selvagem. Da Patrícia Ferraz, que ensina receitas fáceis, gostosas e boas pra fazer pros amigos.
Só mais um golinho
- Esse cartum do bebiodicionario sou eu. Mas sou eu mesmo, no dia seguinte, cheia de culpa e ressaca moral, como eu já escrevi aqui e fui tão, mas tão mal interpretada…
Porto Alegre: Le Bateau Ivre e Legado Sakaes
No Rio, fico com a Majorica, no bairro do Flamengo, e com a Mamma Rosa, em Laranjeiras. Pra mim, dois clássicos que nunca entram no hype e têm todo meu carinho