Prepare-se para o bacalhau (e para o vinho de Portugal)
Dicas de harmonização e rótulos a partir de R$ 50 para a sua mesa de Páscoa
Está chegando o Dia Nacional do Bacalhau. Não, mentira. É que em pouco mais de uma semana, no dia 29, quando o mundo católico celebra a Sexta-Feira da Paixão, boa parte do Brasil vai se sentar à mesa para comer peixe e muitas famílias vão escolher este pescado que vem majoritariamente da Noruega, mas que é a cara de Portugal. Portanto, o dia 29 é também (pelo menos aqui em casa) o Dia do Vinho Português.
Amo bacalhau. Em postas altas com pimentões, desfiado com natas, com uma crosta crocante de broa, numa brandade bem francesa. A regra da harmonização que não podemos esquecer é que pratos intensos pedem vinhos intensos; pratos sutis pedem vinhos sutis. Assim, nem você nem o bacalhau se perdem.
Para a receita que abre a lista do parágrafo anterior, por exemplo, tanto um branco mais encorpado quanto um tinto fazem bonito. Para as natas e a brandade, uso a regra do creme-com-creme, e aí imagino um branco com passagem por barrica, que pode dar notas amanteigadas ao vinho, ou que traz o termo “sur lie” no rótulo, o que significa que teve mais contato com as leveduras e adquiriu certa cremosidade. O bolinho de bacalhau não entrou na lista, mas é um pecado (no melhor sentido) com um vinho verde. E, se você for amante de brancos leves, aí tem um mundo inteiro pra você experimentar nas castas portuguesas.
Outra dica importante de harmonização aqui é saber que é melhor ir em brancos minerais que nos frutados para bacalhau. A exceção que confirma a regra é a nota cítrica, que pode ir bem também. Encruzado e Alvarinho são duas variedades maravilhosas para transformar sua mesa numa verdadeira farra.
Mas nem só de bacalhau vive a Páscoa e eu gosto da ideia de um belo cordeiro no Domingo. Aí vamos para o espectro oposto do mundo do vinho, falamos de tintos intensos e com bons taninos para equilibrar toda a gordura que vai visitar a sua boca. O Douro faz coisas lindas e absolutamente compatíveis com um cordeiro assado ou cozido.
Por fim, ao chegar à sobremesa só penso em outros portugueses, os fortificados. Vai se jogar no chocolate dos ovos de Páscoa? Eu investiria em um Porto Ruby, que é o que vai melhor com esse tipo de doce. Vai servir quindim, pastel de nata ou qualquer outro doce da confeitaria conventual? Porto Tawny, que com suas notas carameladas faz miséria em tanto creme e ovo. E, se quiser experimentar algo diferente, que tal um Moscatel de Setúbal? Prepare o nariz para sentir frutas como laranja e damasco, flores, mel, amendoas…
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Se quiser mais, dá pra ouvir esse podcast que tem quase 35 minutos de harmonização temática.
Garrafas para a sua Páscoa
Se você é da turma dos brancos:
- Um vinho verde baratex e que está em todos os mercados hoje é o Adega de Monção Escolha, por volta dos R$ 50. Vale para beber enquanto cozinha, com o bolinho de bacalhau ou com um peixinho mais leve.
- O Encruzado conjuga untuosidade e acidez. Esse equilíbrio e sua mineralidade fazem de seus vinhos um prazer sem erro. Gosto muito do Ribeiro Santo Encruzado.
- No Pedra Cancela Reserva, também do Dão, um vinho mais complexo e interessante, a Encruzado vem cortada com Malvasia. Vale o investimento, sua brandade agradece.
- No topo da pirâmide temos um Alvarinho: é da Alvarinho Soalheiro DOC, que vai jogar um holofote em cima de qualquer bacalhau com azeite, ao limpar o excesso da boca e preparar pra próxima garfada. Se o valor assustar, experimente a versão mais simples, do Allo Soalheiro.
- Ai, mas me parece injusto não falar de nenhum Douro branco. Difícil demais escolher apenas um, fiquei mais de meia hora queimando neurônio. Mas o pior é que não encontrei safras recentes. Então deixo aqui a bola com você, se encontrar as tradicionais quintas durienses, um branquinho de até 4 anos de idade, se joga. Vale toda a turma que faz Porto, eles são bons!
Se você é da turma dos tintos:
- O Confidencial Tinto, da Casa Santos Lima, de Lisboa, é vendido a R$ 62 e é uma maravilha para ir do bolinho de bacalhau ao seu prato principal. Vai bem até sozinho, mais fresquinho.
- Subindo meio degrau, tem o Pouca Roupa, ainda sub-100, que traz o sol do Alentejo numa fruta exuberante e macia.
- Se der pra gastar um pouco mais, amo o Marquês de Borba Colheita, que é delicioso: tem seis meses de passagem em barrica que dão um toque abaunilhado pra tanta geleia e opulência.
- Indo pro Douro, o Flor de Crasto é sub-100 e delicioso para o momento em que se cozinha mas já se petisca.
- Para sentar-se à mesa com um cordeirão daqueles, o Quinta do Crasto Douro DOC pode ser encontrado ainda a preços camaradas.
- Subindo ainda um pouco mais na escada de valores (mas ainda sub-200), o Niepoort Dão é uma chiqueza só, elegante e equilibrado.
Se você vai se jogar na sobremesa:
- O José Maria da Fonseca Moscatel de Setúbal Alambre vai ser algo pra fugir do comum de sobremesa. É fortificado como o Porto, mas traz notas de damasco e amêndoa. Vai bem com a confeitaria portuguesa e a brasileira (viva o pudim!).
- Amo um Tawny e o da Graham’s é bomdimais, com suas notas carameladas e de nozes. Um pastel de belém e uma tacinha serão o melhor do dia.
- Para o seu ovo de chocolate, não tenha dúvida, o Ruby da Casa Ferreirinha é um bom custo-benefício e fará toda a diferença. O chocolate ganhará ares de prato principal.
Mesa portuguesa em Petrópolis
Se você ficou com muita vontade de comer e estiver pela região serrana do Rio, dê um pulo na Pousada da Alcobaça, cuja cozinha prepara neste fim de semana (21-23) um cozido no fogão à lenha (sexta), caldo verde (sábado), um arroz de pato e um bacalhau de forno (domingo). Na carta, vinhos do Dão (Casa de Mouraz Tinto) e um corte branco regional alentejano que vai até alvarinho (Aldeias de Jurumenha).
Vinho e corrida
Se você estiver em São Paulo, dá pra ficar com sede e matar a sede na Sede 261, que teve a ideia de fazer uma corridinha de 1,5 km para aqueles que amam comida e bebida mas se preocupam com a saúde. A concentração é 10h de domingo (24). A corrida sai às 10h30, e ao fim sanduíches Pilotto e vinhos.
Melhor comer que fazer guerra
Em 25 de março, comemora-se o Dia Nacional da Comunidade Árabe e o Make Hommus. Not War, de Fred Caffarena, promove um mês inteiro de celebração. Vale checar no insta a programação e tentar fazer essa receita de faláfel que ele ensinou na Gama. O meu colega jornalista Daigo Oliva, da Folha, foi em um dos jantares e contou aqui. É de aguar.
Brunch mineiro-coreano
A confeitaria By Kim e o chef Mario Santiago fazem a mistura do Brasil com a Coreia, com pão de queijo e jeok (carne de porco apimentada) e o mil folhas de cural, entre outras delícias. Também em SP.
Só mais um golinho
Quer degustar? Pergunte-me como.
Experimentei o Marques de Borba para acompanhar o cordeiro e consegui sentir as notas abaunilhadas, apesar do meu paladar 0 treinado. O Alambre foi para a mesa com pastéis de nata e confesso que ainda vou tentar de novo haha. Adoro a sua escrita e fico grata pelas dicas!
Adoro , informações elementares minha cara … kkkk sensacional