Peixe, café e mezcal
Um roteiro para um fim de semana com 100% de aproveitamento em Santos, um vinho branco delicioso, três harmonizações e uma piadinha
É triste olhar o calendário e ver que, em 2024, são poucas as oportunidades de viajar que os feriados nos dão. Mas, se você está em São Paulo, a boa notícia é que Santos é aqui do lado — e é bom demais. Fui por dois dias e foi como se tivesse vivido uma semana por lá.
Meu cicerone foi o chef Dario Costa, que tem um belo trabalho com a cozinha do mar. Ele não deixa escapar os peixes da nossa costa que tem nomes esquisitos e carne fresquíssima — e que o mercado tende a tratar como “peixe de segunda” e desprezar. Escrevi sobre isso na Gama (você pode ler aqui). No texto, lembrei que ele disse que cerca de 80% dos peixes que nadam em nossa costa não chegam aos mercados simplesmente porque encalhariam ali, ninguém conhece, ninguém quer; todo mundo quer salmão e atum, badejo e robalo.
Se você ficou curioso, pode ir ao Paru, o restaurante que ele tem no mezanino do Mercado de Peixe de Santos. Fuja dos horários de pico ou se prepare para a espera, mas não deixe de ir. Se puder visitá-lo durante a semana, vai ser mais tranquilo. É despojado e delicioso. O menu é extenso, tem grande variedade de pescados, uma espécie de fast food marítima. É possível comer, por exemplo, niguiri do peixe no dia, que costuma ser sororoca, xaréu ou carapau, assim como as iscas, que vêm num simpático cone de papel. Come-se como se fossem crocantes pipocas do mar. Ainda na onda das espécies do nosso litoral, tem sempre também um peixe inteiro assado na brasa (que poderia dispensar o chimichuri com dill em excesso) e o Méqui Fish, feito com filé empanado. Não dá pra deixar de lado o arroz de lambe-lambe, talvez meu favorito, ao lado do tuna-katsu, iguaria havaiana com arroz de sushi, molho tarê e aioli.



Se conseguir ir com uma turma, melhor, assim vai provar mais. Se não conseguir, do lado tem o açougue do mar, onde dá pra comprar umas delícias e levar pra casa. É possível pegar ali inclusive delícias temperadas e embaladas a vácuo pra finalizar na sua cozinha.
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Se o orçamento permitir, também vale ir ao Madê, onde Costa faz uma cozinha mais sofisticada e surpreendente. Em minha passagem, fiz o menu, de infinitos 14 pratos. Há coisas maravilhosas, mas as porções são generosas e eu recomendaria pedir a la carte ou fazer uma versão mais enxuta do menu. Entre os destaques, as ostras que abrem o menu e vêm com sorbet de manga e delicado óleo de coentro; o crudo de carapeva servido com molho de tamarindo e carambola e gotas de pimenta de cheiro, superdelicado e equilibrado; a moule frite, que chega à mesa com mandioca e uma sauce hollandaise sem ovo, com proteína do mar.



A carta de vinhos é focada em rótulos brasileiros e os preços são bastante razoáveis, mas não há grandes surpresas. As opções da minha escolha no dia da visita foram o Cão Perdigueiro Peverella Laranja e o Espumante Amadeus Brut, que são gostosos, mas menos complexos que a comida.
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Agora que o estômago está forrado, temos duas opções: podemos tomar mais um drink (é claro que eu tou afim) ou comer um docinho. Se você é da turma que prefere a primeira alternativa, uma ideia é seguir para o Hide Out, que oferece coquetelaria clássica e drinks autorais feitos com a consultoria do bartender Rodolfo Bob. Visitei o irmão caçula do bar, o Hide Out Fizz, no terraço de um hotel, onde tive a alegria de tomar driques com mezcal. A bebida que está na moda no hemisfério norte não é importada legalmente no Brasil, mas chega na mala de seus aficionados. No Hideout Fizz, há garrafas para os que descobrem esse segredo.
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Para adoçar o bico, o Garni é uma coisa de louco. A chef-patissier Bia Salles faz combinações delicadas e surpreendentes como a tortinha de figo e queijo e ainda mostra seus testes aqui. Comi uma torta de pistache que era tipo sobrenatural também e agora sofro um efeito colateral: rolo o feed da confeitaria e babo com todas as novas invenções sazonais que quero imeditamente, mas que tenho que me programar para provar. Tão perto, tão longe.
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Chegada a hora de pedir o café e a conta, visite o Museu do Café e, se possível, faça o tour guiado. Eu realmente não esperava uma visita crítica, em que se questiona a subrepresentação de escravos e indígenas nas obras de arte do local — que já foi a sede do pregão do café — ou as condições em que viviam imigrantes europeus quando chegaram, além do papel da mulher na época aurea do grão. Foi uma ótima surpresa, assim como foi um plantão tira-dúvidas de especialistas na bebida.


Garrafa da semana
Viognier, Sauvignon Blanc e Alvarinho. Não lembrava de ter encontrado esse trio de uvas unidos antes, mas faz muito sentido: a Viognier traz peso e untuosidade, a Sauvignon Blanc bastante expressão aromática, a Alvarinho acidez, elegância e mineralidade. A vinícola uruguaia Casa Grande teve a grande ideia de uni-las no Blend de Blancas, fazendo um vinho equilibrado e delicioso que está abaixo da fronteira dos R$ 100, algo cada vez mais difícil de se encontrar. Pra quem tá em São Paulo, vi que na Toque de Vinho está com desconto.
Harmonizando um steak tartare
Eu gosto muito de Gamay com esse delicioso prato para noites quentes e dias nem tanto, mas a Wine Enthusiast fez um pequeno diagrama que analisa cada elemento do conjunto do prato e aponta diferentes caminhos a serem seguidos, de Grenache do sul do Rhône a Palomino das Ilhas Canárias.
Harmonizando uma batata doce picante
Só consigo pensar numa cerveja bem azeda ou num laranjão gostoso e geladinho com essa salada de batata doce picante que saiu no FT Weekend, que vai com kimchi e manteiga de limão. Quem fizer e harmonizar vem aqui me contar, por favor.
Harmonizando um nhoque de tapioca
Já essa receita divina da super Thais Gimenez, minha colega substacker, que aqui neste vídeo é preparada pelo Lucas Corazza, deve ir bem com um fermentado borbulhante da Cia dos Fermentados. Imaginando uma harmonização regional, a tapioca, o queijo de coalho e tudo o mais, ia com o de caju.
Só mais um golinho
Adão Iturrusgarai desenhou pra quem não entendeu o que é um vinho com personalidade.