Maní, fígado de galinha e creme de milho
O novo menu do restaurante estrelado de Helena Rizzo exalta frutos do mar, frutas e vegetais e inspira planos de suborno
A alta gastronomia me pega. São duas coisas pra começar: 1. Alta gastronomia no Brasil é sempre difícil. Isso porque os menus de 14 etapas, a cozinha cheia de detalhes e irreproduzível em casa, bem como os salões elegantes com muitos garçons e sommeliers e serviço impecável, são para poucos. Se a gente tem o mínimo de consciência (ou vaidade?), quer ser democrático e escrever para muitos. 2. O trabalho esvazia o prazer. A medida que vou mais a restaurantes, experimento mais menus e minhas medidas, minha idade e meu repertório aumentam, encarar uma sucessão de pratos fica mais complexo, cansativo. O pessoal tem que rebolar pra me deixar feliz de verdade.
Mas pera que esse imenso nariz de cera tá me parecendo um pouco injusto para falar sobre o trabalho que está sendo feito hoje por Helena Rizzo e por Willem Vendeven ali na Joaquim Antunes, na fronteira entre Pinheiros e os Jardins, onde fica o Maní, um dos restaurantes mais celebrados da cidade. O novo menu está muito mais hedonista que intelectual, apesar do altíssimo número de processos e ingredientes, muitos deles nativos, em cada prato.
É lindo ver como o restaurante dá protagonismo à frutas, vegetais e frutos do mar em detrimento da carne, que faz pouquíssima falta. O prato final é o único, um pato delicioso. Talvez isso deixe o menu mais leve e apropriado para a sua extensão. Começa com quatro pequenos snacks que incluem misturas tão loucas quanto melancia, carabineiro, ponzu, tomate e borago, e que logo dão lugar a um dos pontos altos do jantar: um mil-folhas de polvilho, fígado de galinha, nibs de cacau, mel de cacau e vinagreira. Meu Deus!, que loucura esse negócio. Se tivesse um prato inteiro tamanho família desses, eu teria pedido. E é aí que está outro paradoxo do menu degustação: sem provar tudo, você não sabe qual é o seu favorito, mas quando descobre você só quer ele. Com este figadozinho, chorei, gemi, suspirei.



A seguir, a coisa continua barra-pesada: tem uma ostra nativa, cambuci, limão-caviar, maçã, pepino e raiz forte que é um verdadeiro mousse cítrico e plancteon (que palavra louca eu inventei, mas você pegou o espírito, né?), que resume bem o que deve ser o piro atual de Helena e Willem.
Vamos aos quentes: primeiro deles é a ova de tainha reconstruída do Projeto A.Mar, servida com creme de milho, pancetta e katsuobushi. Se você andar triste, cabisbaixo, não peça o menu. Mas vá ao restaurante e suborne quem for preciso para conseguir um bowl desse prato aí, que levanta os mais dissaboridos espíritos. O peixe do dia chega à mesa com camarão seco, dendê, amendoim e alface romana e era uma prejereba. E, depois de um palmito e um lamém de lula, chega enfim o tal pato. As sobremesas já não couberam direito, mas tem ali uma homenagem à pesquisa da Néli Pereira, autora de “Da Botica ao Boteco”, uma garrafada, que é composta de drink e um pequeno jardim gelado e cremoso.


Contando assim, você nem tá entendendo o começo do texto. Mas eu tento explicar melhor: o nosso desejo é efêmero, e a barriga cheia apaga o desejo. A conta pesa no bolso de uma imensa parte dos brasileiros. Além desse monte de comida incrível, eu bebi vinhos maravilhosos, porque a grande sacada desse menu é chamar convidadas para fazer a harmonização, sempre mulheres, que faz um tempo se destacam nesta área, apesar de todo o machismo. Ideia da sommelière da casa, Gabriela Bigarelli.




Daniela Bravin e Cássia Campos, grandes garimpeiras de rótulos, os escolheram. Entre os destaques, o Riesling Spatlese Schloss Lieser e um Müller Thurgau DB Schmitt. Juro que ainda teve um Jura, o Domaine Berthet Bondet Savagnier 2019, e claro que elas levaram o Jerez Amontillado Tio Diego Valdespino, um coisa mágica.
Fui a convite e fiquei pensando naquela foto do jovem casal modelo usado pela Ruth Reichl em suas críticas. Ela imagina que esses dois jovens com parcas economias, escolhem um restaurante para celebrar algo e ela tem que indicar o que vale a pena. Bem, se eles não têm filhos nem escola para pagar, não têm dívidas nem nada disso, eu diria: podem ir, a comida é deliciosa, o atendimento idem, vai ser memorável. Mas se tem qualquer pedrinha no meio do caminho, o problema é a comida ficar com gosto de dinheiro. Vale para este e para qualquer outro restaurante de alta gastronomia. (Claro, alguns não valem nem para quem tem a carteira cheia.)
As garrafadas de Néli
Além do livro desta minha colega, que é bartender e pesquisadora, eu sugiro ouvir esse bate-papo aqui, em que a gente fala sobre utilizar ingredientes brasileiros vistos como medicinais para fazer maravilhosos coqueteis.
Os restaurantes de hoje
O NYT entrevistou chefs de todos os EUA para dar uma radiografia do que é a cena contemporânea do país. Em resumo, eles odeiam o sistema de gorjetas que forma o salário do serviço, mas isso não deve mudar; acham que escolas de culinária são um gasto de dinheiro em vão; criticam os cozinheiros gen z, que são melhores em falar deles mesmos do que segurar a onda na cozinha; e nem sempre o cliente está certo (especialmente no Yelp).
Dicas para ler, ver e ouvir da Decanter
A equipe da revista britânica indica leituras, audiovisual e podcasts para os amantes do vinho ficarem bem ocupadinhos. Tem uns achados por aqui. Quem descobrir algo imperdível primeiro conta aqui.
Rita Lobo para ler e ouvir
Semana passada, quando o assunto estava quente, mosquei e não indiquei duas entrevistas com a musa e mestra Rita Lobo sobre o que significa aprender a cozinhar e cuidar da sua própria alimentação. Ficar livre de ultraprocessados e ter mais saúde é uma. Na outra, ela fala sobre como a cozinha tem que ser um lugar pra família toda fazer e acontecer.
Zero alcoólicos
Parece que neste ano o Dry January pegou de verdade no Brasil. Ou meu algoritmo acha que eu estou precisando dar um tempo na bebida ou realmente as publicações só estão falando de moderação mesmo. Cá do meu lado, a Gama fez uma edição especial de domingo para refletir sobre como estamos bebendo. A parte que me toca no assunto é a do mercado de bebidas sem álcool, formado principalmente por empresas qeu são fabricantes de cerveja e vinho. O destilado zero ainda não chegou por aqui com força, pelo que apurei, mas já tem bebida saborizada de gim.
Natureza divina
Uma parte curiosa da tendência é o pessoal que para de beber, mas não quer perder a sensação de estar altinho. Eu aposto que você já foi em festinhas em que a turma estava chafurdando em pacotinhos de cogumelo ou em gotinhas de thc. A autora do termo sober curious comenta.
Esse é o ASMR que eu gosto
Fiquei completamente obcecada pelo Ryota Togishi, um afiador de facas japonês, que é também o rei do sanduíche mil folhas.
Só mais um golinho
No espírito de aproveitar o que a terra dá, os vikings estão com tudo!
Divertidíssima a edição desta semana.