Como superar a fase em que o vinho só tem cheiro de... vinho?
Aromas de frutas, cogumelos e baunilha saindo de uma taça não são invenção. É questão de memória olfativa (e afetiva) afiada
Tem gente que acha que sentir cheiro de terra molhada, cogumelo ou aspargos em vinho é invenção ou — para usar um termo saído da escala aromática de alguns tintos leves — pura groselha. A desconfiança é compreensível, mas o fato é que esses aromas aparentemente inverossímeis realmente ajudam a entender (e aproveitar) melhor a bebida. Mas como chegar lá? Como superar a fase em que o vinho só tem cheiro de... vinho?
Eu não sabia muito de vinho quando comecei a beber. Sabia que gostava da bebida e achava que ia ser legal anotar os nomes e descrições do que me chamava a atenção. Mas um caderninho comprado para esse fim ficou mais de um ano em branco. Eu não sabia o que escrever exatamente.
Mas não era só o vocabulário que me faltava. Na real, eu nem sabia por onde começar. Hoje, então, revisito esse drama do passado para falar sobre o que se deve prestar atenção quando se prova um vinho pela primeira vez. (Se você já sabe, recomendo me acompanhar e encarar como um recap igual aos das séries de TV.) A vantagem de saber como desvendar uma bebida é aproveitá-la melhor, saber com o que ela combina (seja ocasião, prato ou estação do ano) e se ela vale o preço que custa.
Pois bem, rolha fora, vinho na taça. O que você faz?
1. Analise o look
Qual a cor do vinho? Estude a cor (branco, tinto ou rosé) e o tom, se claro ou escuro, porque isso pode dizer muito sobre a idade e a evolução da bebida. Os brancos vão ficando escuros com o passar do tempo e os tintos vão ficando claros. Quando bem velhos, eles se encontram no meio da escala cromática. (O melhor é analisar a bebida sobre um fundo branco, a toalha da mesa ou um pedaço de papel.)
Há também uma coisa chamada “halo de evolução”, que aparece quando a bebida já tem alguns anos na garrafa. Esse halo deixa o vinho com uma borda mais clara até ficar quase transparente quando mais velho.
Outra coisa que o visual pode informar é o grau alcoólico. Ao girar a taça, repare o vinho descendo de alto a baixo. Se as gotas (ou lágrimas, como são tecnicamente chamadas) forem largas e lentas, é sinal de que o vinho tem uma gradação mais alta. Se ele descer rapidinho, tem menor volume de álcool.
Veja também se é translúcido, o que significa que está limpo e foi filtrado. Se for opaco, pode não ter sido filtrado, o que é bem comum entre os naturais, ou apresentar defeito, o que será confirmado na próxima etapa.
2. Prepare o nariz
Não tenha pudor, enfie o nariz na taça. Se não sentir nada, feche os olhos. Se se sentir ridículo, não faça isso em todo lugar; mas quando estiver em casa e quiser treinar, vá fundo, faz diferença. Gire a taça para que a bebida circule e entre em contato com o oxigênio, isso vai liberar ainda mais os aromas. Aproxime o nariz de novo. Pense nas frutas que conhece, nas flores. Pode ser difícil sair do zero aqui, não se frustre, é uma questão de ter a memória olfativa (e afetiva, porque não) afiada. É permitido colar um pouquinho, ou seja, pesquisar a ficha técnica (geralmente disponível no site da importadora, que aparece no contrarrótulo do vinho). Ali, além da nota de degustação oficial que informa os aromas e como o vinho se comportará na boca, há informações das variedades de uvas usadas na composição do vinho e quanto ao método de vinificação, algo que dar pistas sobre aromas e sabores. Por exemplo, o uso de barricas de madeira pode aportar diferentes características à bebida — aromas de chocolate, café e coco, nos tintos; de baunilha e manteiga, nos brancos.
3. Use a boca toda
É hora de finalmente provar o vinho. Deixe-o parado e sinta se ele pinica a lateral da língua (sinal de acidez alta), se ele esquenta sua boca (sinal de muito álcool). Faça com que passeie, que vá para um lado, para o outro. Ele seca tudo ou é adocicado? Isso dirá se há alguma sobra de açúcar (ou seja, nem tudo foi transformado em álcool durante a fermentação das uvas). Você ficou com a boca áspera, como se tivesse comido uma banana verde? Sinal que há muitos taninos rústicos. Não tenha pressa em engolir e avalie se gosta do que sente, e se o sabor tem a ver com os aromas que sentiu antes.
4. O vinho já foi mas a degustação continua
Depois que você engole, quanto tempo o sabor do vinho fica na sua boca? Quanto maior for a duração dele, melhor. Se for longo e agradável, sinal de qualidade. Se sobrar algo ruim, amargor, muito açúcar (e não for intencional, parte do estilo) ou uma sensação de calor, pode ser considerado desequilíbrio ou até defeito. Essas sensações são o chamado “final” ou “retrogosto”. (Você já ouviu esse termo em alguma piada, não?)
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Esses passos podem te ajudar a entender melhor o seu paladar e o que buscar na hora de escolher um vinho. Você pode descobrir, de repente, que gosta de vinhos leves com a acidez alta. Ou, de repente, prefere os mais encorpados e macios. E até compreender porque uma determinada bebida é típica ou completamente fora da curva.
Agora, o que nunca se deve fazer é ir atrás de algo que é considerado “bom” só porque alguém disse que é bom. Pontuações de críticos, por exemplo, são muito usadas para guiar as compras (elas acabam virando best-sellers de muitas lojas). Mas bom mesmo é quando você compra algo porque segue o seu estilo. E se você prestar atenção na degustação, nunca vai ter dúvidas sobre o que te agrada de verdade.
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Esse texto foi escrito originalmente para ser a primeira coluna na Gama, mas mudei de ideia e ele nunca havia sido publicado antes. Achei que era um bom jeito de encerrar o semestre e me despedir dos leitores antes das férias: voltar ao básico sempre nos deixa mais afiados, aprendemos de novo. Para quem chega agora, ficar com tudo isso na cabeça é um jeito de pestar atenção no que de fato merece esse nosso bem precioso.
Garrafa da Semana
Há uma promessa de frio daquelas nos próximos dias e eu me sinto pronta para começar a abrir tintos, enfim. Mas vou começar devagar, ainda apostando na acidez, para não pesar demais. O L'Oca Ciuca Rosso Toscana 2020 é a minha escolha como vinho de férias, dá pra abrir uma garrafa para tomar enquanto cozinha ou com uma comida menos pretensiosa, com pizza, com breguetes, com comidas leves, na sexta à noite ou no almoço de domingo, com frango assado. É um Sangiovese, mas é cortado com Syrah e Merlot, o que lhe arredonda um pouco mais e dá um tico de corpo. Tem muita, muita fruta, 4 meses de passagem em barrica e 13,5% de álcool — parece levíssimo, mas vai ser capaz de esquentar suas bochechas e pés.
Já foi no Empório Frei Caneca?
Fui ao cinema no Shopping Frei Caneca, mas cheguei cedo e decidi matar tempo na loja de vinhos que fica no mesmo andar. O clima é daquelas lojas dos EUA, gigantes, que têm todo tipo de vinho, de todo lugar do mundo. Sempre foi um bom lugar para achar vinhos brasileiros, mas agora notei que é um bom lugar para garimpar promoções de vinhos mais simples, para o dia a dia, com Don Pascual a R$ 19,90 (!!) e Quinta dos Bons Ventos a R$ 49. Diferentemente das lojas norte-americanas, no entanto, lá há também comidinhas importadas, frios, queijos, chocolates e outras bebidas, cervejas importadas, Água das Pedras (amo!), destilados, etc. Bom fazer uma visita e, quem sabe, fazer um estoque pra casa.
Os vinhos do berço do vinho
A coluna desta semana da Folha é sobre a bebida feita na Geórgia, possivelmente o berço do vinho, de acordo com indícios de 8 mil anos atrás. Por lá, é tradição usar ânforas revestidas de cera de abelha para fermentar os vinhos. Elas são preenchidas com uvas nativas e enterradas debaixo do solo. Os vinhos que provei eram de um produtor norte-americano e radicado ali, John Wurdeman, da vinícola Pheasant’s Tears. Entre as muitas coisas bonitas que ele falou sobre seu ofício, destaco a seguinte declaração:
"A melhor forma de resgatar uma uva é mostrar às pessoas a sua beleza. Os vinhos são como filmes: há os blockbusters, que vendem muito e agradam multidões; e há os filmes de arte, que são mais contemplativos, reflexivos, tímidos, assimétricos, mas são os que ficam conosco no nosso pensamento".
Inimigos do vinho
Amei esse quadrinho da Wine Enthusiast que sugere harmonizações competentes para os inimigos do vinho. Fiquei a fim de provar. Se alguém já tiver experimentado algum, conta aqui nos comentários.
Mulheres do vinho
O Valor publicou reportagem da Luiza Fecarotta que é um ótimo panorama sobre como o serviço do vinho no eixo Rio-SP é muito bem tocado por mulheres, mas que elas também se destacam em outras regiões. Ótimo para conhecer detalhes curiosos e um pouco da visão delas.
Só mais um golinho
Já que neste fim de semana temos Naturebas, vamos aqui com este oferecimento de winememes4teenz
AVISO: Tiro o mês de julho de férias e fico off desta publicação até agosto. Nos vemos daqui a pouco.
adorei relembrar e descobrir novas dicas de degustar um vinho. boas férias e aproveito para deixar uma sugestão para alguma próxima edição: vinhos da região de itata no chile e onde achar no brasil.