Como comer fora e não falir
Lugares amigos do bolso, um tinto aveludado e redondinho, muitos drinks, um pod, umas receitas, memes e mais
Estou lutando uma luta inglória e sei que não sou a única: como ser feliz com comida e não falir? Sempre vi essa newsletter como um reduto hedonista, de como podemos ser mais felizes comendo e bebendo, seja na rua ou em casa, mas infelizmente temos uma barreira terrível chamada realidade. Ela vive de mãos dadas com sua amiga inflação. E tem outro péssimo companheiro, o alto custo de vida nas capitais brasileiras. É uma turminha do barulho que não deixa barato.
Neste fim de semana, vivi meu próprio “Ladrões de Bicicleta”. No clássico de 1948, Vittorio de Sica mostra que, quando tudo dá errado mesmo, o jeito é levar o filho numa trattoria. Pai e filho queriam pizza, mas o garçom diz ofendido que ali não tem, afinal trata-se de uma trattoria. Eles pedem então um vinho e dois pães com mozzarella, exatamente o que a mesa ao lado, mais burguesa, está consumindo. Só que, para os vizinhos, outros pratos não param de chegar, para a amargura dos nossos heróis.
Depois de um passeio pelo Centro de São Paulo, fui com família e amigos à cantina Planeta’s, de preços amigos e famosa por seus parmegianas que, de tão grandes, parecem lençóis. O combinado com as crianças foi: não vamos pedir bebida ou sobremesa. Entre limonadas a R$ 20 o copo, cafés nem tão bons assim a R$ 10, e cremes de papaya com cassis que eles nem curtiriam, economizaríamos talvez perto de duas centenas de reais.
O garçom, gentilíssimo, atendeu o nosso pedido de “uma rodada de água da casa” como quem recebe uma missão de vida, sem espanto ou titubear, sempre com um sorriso no rosto. Logo chegaram nossas taças que suavam de tão frias e que foram empunhadas com júbilo pelas crianças.
Acontece que, assim como o menino do filme, eu estava de olho na mesa da frente, onde uma família pediu um festival dos tais parmegianas (até aí tudo bem) com muito, mas muito chope (ai!). Meu amigo, que já tinha nos lembrado do filme, percebeu meus olhos de cachorro pidão e soltou: “Ah, ladrões de bicicleta pra cima de mim?”. As crianças, enquanto isso, estavam ótimas, conversando e mergulhando em batata frita.
Quando a criança era eu, as coisas tinham regra, não eram totalmente liberadas. Não sei o que me deu de até aqui, aos 10 anos do meu filho mais velho, ter vivido num esquema de “pede aí o que você quer”. Já paguei mais de R$ 400 em um café, para um casal e duas crianças. Do Planeta’s, apesar do meu lençol de parmegiana, saí com o espírito mais leve que o bolso.
Deixo aqui então a palavra dos combinados, que podem salvar contas (e, por que não, vidas!) para quem vai comer fora com os filhos. Outra saída para não gastar tanto (além de fugir do hype, como no caso do Planeta’s, que é o antônimo dele) é focar em estabelecimentos que são apenas um pouco mais que uma lanchonete, quase um bar, não exatamente um restaurante. Conheci, nas últimas semanas, dois exemplares perfeitos desse tipo de lugar, onde se come bem e não se morre de infelicidade com a conta:
Shuk Esfihas — numa tarde de muita ressaca, em horário alternativo entre almoço e jantar, entrei e sentei, sem filas, numa mesa ótima da casa que tinha aberto há pouco na Vila Madalena. Comi uma salada grega e uma gigantesca esfiha tipo pidé de cordeiro. Refresco de hibisco e pão quentinho feito na hora acompanharam. Não sei dizer o que estava melhor. Quero voltar muitas vezes e zerar o cardápio.


Cantina Los Dos — às 12h55 de um domingo, cheguei e sentei (embora só abrisse oficialmente às 13h). Pedi uma refrescante michelada (quem ama, como eu, também pode preparar em casa), as batatas da casa, quesadillas, tacos al pastor (era o taco do dia) e um aguachile de peixe. Delícia de viver.


Carestia & amigos
Na dureza e na pobreza, é importante ter amigos que estão na mesma vibe que você, como a turma que encarou o nosso “Ladrões de Bicicleta”. Bob Friandes escreveu uma crônica sobre como a conta de bares e restaurantes pode afetar amizades.
Sinto falta dos amigos que não sentem a minha. Claro, passei tanto tempo fora do radar que minha ausência virou uma vaga no mercado, e eu perdi a seleção. Nos feeds de Instagram, vejo novos jantares com novos amigos, aqueles das cadeiras giratórias que agora fazem roadtrips pela Califórnia. E tem os colegas, que mal conseguiam cumprimentar no corredor, mas que agora aparecem em fotos com taças de vinho e pratos de cerâmica sob o tampo de mármore de uma mesa Saarinen, com uma espontaneidade milimetricamente calculada para ficar bem no feed.
E já que falamos de bolsos vazios, deixo aqui registrado também o precinho da fatia do sashimi de bluefin, atum supergordo e estrelado: R$ 56 em São Paulo.
Garrafa da semana
Tá frio e eu voltei a beber tintos. Faz umas três semanas que só eles têm vez por aqui, o que é algo raro. Nesta semana, abri um vinho português de ótimo custo benefício e todo redondinho, o Herdade do Roncim Mariana, importado pela World Wine. É um Touriga Nacional do Alentejo, com muita fruta madura e um pouco de especiaria, bem aveludado, com corpo médio, boa adstringência e acidez. Brilhou ao lado de comidinhas árabes variadas adquiridas no Schehrasade (segura essa dica!). Ah, e importante dizer que a World Wine tá com promoção de aniversário de 25 anos, então de onde saiu essa tem mais.
Tá doido para provar aquele vinho que você viu no Instagram?
Quem me acompanha por aqui sabe que eu amo um bom meme. Na última coluna da Folha, escrevi sobre a relação entre garrafas lindas/sua onipresença no Instagram/memes zoando esses rótulos, que nos deixa com vontade de tomá-los e que tem, enfim, rejuvenescido o vinho. No texto, esqueci de dizer que a Dua Lipa (acima) também posta os vinhos dela com frequência. Será que o nome desse tipo de foto é bottlie?
Já foi no Plou?


Enfim abriu o novo bar de vinhos da Analu Torres, sobre quem já escrevi aqui nesta outra edição e que vem me ensinando francês desde 2020. Além de professora, ela é grande degustadora e montou uma carta maravilhosa com mais de 500 naturais, coisa de doido. Acho que vai ser o reduto da zone oeste paulistana para os amantes desses vinhos. Tem comidinhas deliciosas e leves, como o tartare de cenoura; tem também um limão absurdo que ela faz com cogumelos, o puro suco de umami. Tem também tábuas de frios e de queijos e uma sobremesa maravilhosa, uma pera cozida que é de chorar. A ideia é chegar lá e pegar um dos flights do dia, um jogo de 2, 3 ou mais taças que fazem uma pequena degustação. Aconselho tirar todas as dúvidas com ela, tirar o máximo de informação que puder, porque a grande vantagem do Plou é ser uma escola também — às vezes disfarçada de bar, às vezes com aulas pra valer (ela deve anunciar no Instagram). Se você quiser ler mais, tem a coluna que escrevi para a Folha.
Gelo e Gim
Daniel de Mesquita Benevides manja muito de drinque. E de cinema. E de literatura. Ele põe tudo isso numa coqueteleira e bate. Não, às vezes ele só mexe com uma bailarina. E faz uma mistura maravilhosa nesse livrinho #semdefeitos editado pela Quelônio, que traz um texto curto de umas três, quatro páginas sobre cada drink, e sempre uma receita. Tem a história do dry martini e seus personagens, tem a história da Dorothy Parker e seus drinks, tem a história de drinks que você nunca ouviu falar e vai querer sair correndo pra preparar.
Zebra faz aniversário



Pra comemorar os 12 anos do Zebra, a mixologista Néli Pereira preparou uma carta que ela tá chamando “de baixa intervenção”, inspirada no vinho. A ideia é ter poucos ingredientes em cada drink. Um exemplo é o coquetel Drácula, que leva alho negro, licor de cacau e awamori, um destilado japonês levemente defumado. Outro é Marafo, com fatwash de dendê em cachaça, mel e licor de alcatrão. Não precisa reservar, mas se quiser pode (11 91653-3120). E vai ter um fim de semana de festa. E pode também ouvir essa entrevista que a Néli deu ao Podcast da Semana, da Gama:
Uma carne e um biscoito para encerrar
- Se você ainda não tem planos para o jantar, pode encarar com galhardia a missão de preparar o filé a Wellington da chef Carla Pernambuco, que virou sua marca. Ela dá o passo a passo e um pulo do gato a Gama.
- A revista também publicou a receita de um cookie com castanha-do-pará que a chef Bel Coelho serve em seu Cuia Café. É bom de chorar.
Só mais um golinho
Essa aqui é pra relembrar a pandemia. Quem nunca?
Gente, sp tá tão cara!! Todo dia levo um susto - seja nos restaurantes seja nos supermercados . Esses dias paguei 47 numa taça de vinho bem ruim.
Ugues (e similares) forever!
Delícia de texto! Curiosa com a parmegiana lençol. 🤔