Cantar, decantar, decantar
Após ouvir um conselho absurdo sobre paraquedas, me tornei uma aficionada do decanter - mas depois passou
A beleza do mundo do vinho é permitir que você mergulhe obsessivamente em certas particularidades até ficar de saco cheio. Falo isso ao me lembrar da época em que fiquei obcecada por decanter, comecei a seguir alguém tão (mentira, mais!, muito mais!) obcecado quanto eu como o Maximilian Riedel e a fazer todo tipo de testes.
Um decanter serve para duas coisas: 1. efetivamente decantar a bebida, ou seja, separar o sedimento que pode existir em garrafas mais velhas do restante do líquido; 2. aerar o vinho, deixar que ele respire para que suas notas olfativas apareçam e até que seus taninos sejam amaciados. No primeiro caso, temos que ser delicados no manuseio do objeto, precisos para que as borras não saiam da garrafa e cuidadosos para não agitar demais, já que um vinho antigo, em contato com o oxigênio, pode perecer. O segundo uso é para vinhos jovens, que podem se beneficiar desse contato, abrir mais. Para isso, movimento mais rigorosos, circulares, são bem-vindos.
Já pensou ter um vinho legal e ainda melhorar a experiência com uma atividade mecânica? Eu vibrei e me pus a fazer testes. Decantei em objetos phynos e também em jarras de suco. Quando o vinho era jovem e muito “duro” (taninos firmes demais) eu decantava duas vezes, devolvendo para a garrafa.
Uma vez ganhei um vinho de um francês meio da moda, um Grenache, uva que amo demais, produtor biodinâmico, descoladíssimo. O vinho era PERFEITO na boca. Mas tinha uma notas meio rio Tietê. Quem me presentou recomendou que eu decantasse antes de servir. Temi pela temperatura, mas o fiz 2h antes. Acabei equilibrando o decanter na gaveta de verduras da geladeira (ousado, errado, esquisito, mas foi o que deu, perdoem). Seguia Tietê. Quando relatei o ocorrido, ouvi da especialista: “Ah, esse daí era pra ter decantado um dia antes”. What?
Não há limites para um decanter. Quando você começa, pode ir além da compreensão humana, como Max Riedel, que decanta Champagnes. Entendo que os aromas de um bom Champagne vintage podem ser explosivos quando abertos, mas e as borbulhas? Parece demais para mim.
O máximo que consegui foi decantar (melhor, aerar) um vinho branco sul-africano no calor do Natal brasileiro. Acoplei o decanter em um lindo balde de gelo e me senti uma sommelière engenhosa e dedicada, digna de broche.
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A parte chata de se entregar ao decanter é o dia seguinte: lavar é um saco inifinito. Hoje há umas escovas próprias para a faxina, porém se o material é muito fino, dá um medo danado. E se quebra? Aprendi na marra que é melhor deixar de molho com sabão neutro.
Mas pior ainda é secar o decanter. A dica do Riedel é secador de cabelo. Já usei, funcionou.
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Uma vez, ouvi um podcast completamente louco e nonsense chamado Natural Disasters em que o apresentador explicava: “Decidir se você vai usar o decanter é como quando você está pulando de paraquedas e ele não abre. Na dúvida, você abaixa as calças e _ _ _ _ uma _ _ _ _ _ _ _. É como o decanter: na dúvida, melhor usar”. Realmente, nunca entendi a relação ou a imagem, mas não esqueci da mensagem.
Vinho da semana
Tenho sido mais chata para os tintos que para os brancos, mas na hora que provei esse vinho meus olhos se acenderam. É desses tão puros que parece que sai de uma torneira anexada a um cacho de uva, ou de um pedregulho que vive no solo do vinhedo, ou mesmo de uma mina (ele se chama Murças Mina, estou influenciada). O tinto faz parte do projeto Quinta das Murças, que o Esporão montou no Douro e que eu visitei e 2017 e me apaixonei. Vem de lá a linha Assobio, mais barata e ótima, que faz referência à ventania que corre pelos vinhedos. Já o Minas traz as uvas clássicas da região (Touriga Franca, Tinta Francisca, Touriga Nacional, Tinto Cão e Tinta Roriz) com incríveis 12,5% de álcool, pouco para o sol duriense intenso. Tem uma acidez altíssima, muita pureza, muita fruta e ervas. Divino.
Saudades do que não vivi
Almoços de trabalho longos e alcoólicos, onde muita coisa é decidida — parece um contrassenso, um absurdo até, mas era uma prática comum no glamouroso mercado editorial londrino até a virada do milênio, conta o jornalista britânico Henry Jeffreys em sua newsletter Drinking Culture. Me senti do mesmo jeito quando li sobre os escritores na Paris dos anos 20 ou mesmo o surgimento do novo jornalismo, com a turma do Tom Wolfe e Gay Talese: por que eu não estava lá? Fiquei pensando no que gostaria de beber e talvez abrisse os trabalhos com uma taça de Jerez, passaria a um Chablis, depois uma taça de Côte Rotie e, quem sabe, um Monbazillac para terminar um almoço em que fecharia o contrato do meu próximo livro (cof) após 4,5 horas de conversa fiada.
Vinho no Cora



Talvez a saída para um longo almoço bem alcoólico desses esteja no Cora, no centro de São Paulo. Às sextas, a rolha não é cobrada. O menu está ótimo, cheio de delícias como a tortilla de lula, coalhada e pimenta, ou a couve-flor com abóbora e grão-de-bico. E, se você não quiser levar sua garrafa, não se preocupe que sempre tem opção boa em taça, como o Covela Rosé.
Uma grande anfitriã
Aqui vai um salve para a Paca Polaca Clarice Reischtul, que há pouco adentrou a comunidade substacker e nesta quarta (14) brindou os leitores com uma edição sobre os cem anos da grande festeira Mrs. Dalloway. Vale ler de cabo a rabo e imaginar o serviço impecável descrito nas passagens escolhidas por ela.
Vinho italiano em SP
De 19 a 25, será realizada a Settimana Del Vino, que leva a 20 restaurantes italianos da cidade rótulos de 20 regiões da Itália. É possível conhecer a oferta aqui.
Fondue em casa
O frio tá chegando e eu fiquei com vontade de arriscar essa nova aventura com a receita que vi no Guardian e que compartilho aqui. Não me parece terrivelmente complicado, e acho que pode dar uma graça num fim de semana mais gélido.
Já foi ao MAG Bom retiro?



Já são quase duas semanas desde a minha visita ao MAG Bom Retiro e eu ainda não consegui esquecer o caldinho da moqueca de peixe com leite de coco bem gordo que ficou colado nos meus lábios por minutos depois que eu já tinha deixado o salão. Segundo o chef Pedro Pineda, que comanda a cozinha, o prato começa como uma moqueca vegetariana, que é processada depois de cozida e só então recebe o peixe, servido no ponto (mas cuja porção poderia ser maior, digamos a verdade). Fui numa pausa entre turnos de trabalho (ó vida), mas tive tanto prazer que por quase duas horas achei que estava de férias. Provei ainda a carne crua, maravilhosa, os bolinhos fritos de rabada e a INCRÍVEL salada Cesão, uma versão inspirada e amalucada da clássica César. Fiquei ansiosa para voltar e provar outras invenções com o acabamento-paladar-exuberante de Pineda. Tem chef que claramente gosta de comer — foi com essa ideia que saí de lá.
De sobremesa, um ataque gelado
Recebi em casa um arsenal da Marie Glace, uma nova sorveteria que opera em São Paulo apenas pelo iFood e que é um empreendimento das irmãs sócias da Marie Marie Bakery, do Tatuapé. O chef confeiteiro espanhol Javier Guillén, especialista em sorvetes com passagens por El Bulli, Pierre Hermé e Valrhona, assina os sabores, todos equilibrados, delicados, com gosto de laticínio do bom e de verdade, textura e gordura no ponto certo. Recomendo o beijinho, o croissant e o chocolate 70%, meus favoritos. Meus filhos piraram no pétit suisse morango, o famoso danoninho. Outro favorito sem leite é o framboesa zero. Ah, e tem ainda umas casquinhas folhadas bem diferentonas.
Só mais um golinho
- “É Moet, mesmo, com o t no final.” 🙄
Adorei e me vi em você! Sou muito adepto para abrir vinhos fechados, e pela dificuldade em lavar e facilidade em quebrar, não uso decanters faz tempo, sempre jarras grossas (tipo aquelas de vinho da casa de litro, que se pega pelo pescoço) e até um vaso de flores rs
Esse fim de semana considerei decantar (ou aerar?) um petit chablis e achei que estava ficando maluco! Essa carta foi uma sessão de terapia kkk