Bar de vinhos, energia de boteco
Democratização da bebida é isso aí. (E comidas para ser feliz em casa, dois grandes vinhos zero caretas, um bar-restaurante novo e mais)
Nem sempre é animador escrever sobre vinho. Embora seja um assunto apaixonante que reúne experiência sensorial com cultura e história, fica aquela sensação de que estou escrevendo para poucos — ainda mais no Brasil, onde a bebida segue muito elitizada. O discurso de que é importante democratizar o vinho existe, mas não costuma abranger o preço, que sobe cada vez mais. E assim temos cada vez menos gente bebendo vinho. Foi portanto um choque para mim quando, numa sexta-feira à noite, dobrei a esquina da rua Fernando de Albuquerque, cheguei à Bela Cintra e avistei o Los Perros.
Estava apinhado de gente. O público era basicamente feito de jovens, salvo uma mesa aqui, outra acolá, de gente 40 e 50+. Todo mundo batendo papo e bebendo vinho, num clima meio happy hour, meio balada. A carta fica anotada na parede, numa grande lousa. Como acontece em muitos lugares do mundo, temos ali apenas as variedades e origens dos vinhos, não as vinícolas. Você pede um Pinot Grigio ou um Chardonnay da Itália em vez de dizer a marca.
Não tem taça meio vazia, graças aos céus: a medida dos vinhos, que vão de R$ 16 a R$ 23, é um copo americano, 190ml. A variedade é boa, uns dez rótulos por vez, além de espumante em lata. Dá até pra ficar em dúvida.
A cozinha inclui umas friturinhas e outros petiscos que ali são petiscos de verdade, não são tapas. E ninguém fala em porções para compartilhar, embora elas o sejam. O serviço é ágil e atencioso, mas sem excesso, não tem juventude hipster, é tipo botecão clássico mesmo, em que os garçons se afeiçoam e cuidam de você.
Mas o que mais me impressionou foi a energia e a normalidade. Todos bebiam vinho como se fosse cerveja, no melhor sentido: a bebida não era a protagonista, era um elemento para conectar as pessoas. Tenho certeza de que nenhuma mesa estava discutindo notas olfativas, mas ia pedindo taça atrás de taça só porque o papo estava bom e a bebida estava fresquinha. Eu mesma, que tomei o Pinot Grigio, não tenho a menor ideia do produtor. Fui eletrizada pela energia de boteco.
Quem vier agora com o papo de que tem que democratizar o vinho, vou mandar conhecer o Los Perros. O bar já tem alguns anos, eu que cheguei tarde, com a sensação de que, enfim, conheci um verdadeiro pé-sujo de vinho.
Garrafa(s) da semana
Fazia tempo que eu não me empolgava tanto com uma garrafa de vinho tinto. O Domaine des Amiel À Coural 2021 é um corte de Syrah, Grenache e Mourvèdre do Languedoc com nota de fruta bem madura e até geleia, erva fresca também e um toque de balsâmico. Se bobear gostei ainda mais na boca, porque tem muita textura, tanino fino e é longo. É um vinho biodinâmico, não é filtrado e quem tem paciência vai beber melhor: evolui muito na taça. A dica então é ir devagar-devagar-devagarinho para aproveitar o que vai aparecendo. Não decantei, mas teria sido uma boa ideia. Quem sabe não é a desculpa que eu precisava pra adquirir uma nova garrafa? É vendido pela Peso da Régua, uma importadora relativamente nova mas com um catálogo cheio de coisa interessante. Deles também, e do mesmo produtor, fiquei deslumbrada com o branco Tous les Chenins Ménent à Rolle 2022, que é um corte de Vermentino e Chenin amplo, encorpado, complexo, mineral, com nota de fruta branca mas também de erva (alô terroir). E sem falar que é lindão, douradão. São dois grandes vinhos, complexos e zero caretas.
Para beber bem, beba em casa. Mas o que vai ser o jantar?
Tenho ouvido de muita gente que tá difícil beber bem na rua porque anda tudo muito caro. Se quer beber bem, melhor beber em casa. Mas aí, alguém vai ter que cozinhar, né? Eu nunca tive medo das panelas; na verdade, era grande amiga delas. Mas, assim como acontece com quase todo mundo que eu conheço, o trabalho está me engolindo e me roubando de tudo. Quando saio do computador, sobra pouca energia e criatividade para usar em qualquer outra atividade.
Como nunca fui muito de beber sem nada para mastigar, reuni aqui três boas descobertas recentes para facilitar as coisas de quem quer curtir um vinho em casa e não tem energia pra fazer pratos à altura:
Supernova Frozen Deli — É pouco sexy dizer que é uma empresa de congelados, então vou apenas apontar que a comida leva a assinatura de Chico Farah, chef e sócio do Votre e do Teus, restaurantes de São Paulo. No cardápio há uma diversidade de pratos que vai de carnes a smoothies, tudo muito bem embalado e com instruções claras de como preparar. O arroz de pato, de longe, é o melhor. Veio em três saquinhos, para carnes e favas, caldo e arroz. Deu zero trabalho para ser finalizado (em oito minutos) e ficou realmente com cara de restaurante: grão no ponto certo, carne macia, linguiça delícia, favas verdinhas, caldo cheio de colágeno, de deixar os lábios grudentos. Um sonho, que eu comi com o tinto da dica acima. Para esquentar, burlei as regras e não mergulhei os saquinhos plásticos na água quente (ando paranoica com os microplásticos). Foi tudo junto para a panela quando descongelado ao natural e mesmo assim deu certo. Também aprovei as tortas de frango, especialmente a de camarão, os croquetes (deu briga por aqui, meu filho foi dormir dizendo que queria ter comido mais) e o ragú de linguiça.




Celestino — Um amigo talentosíssimo cuja energia, diferente da minha, não tem limites e que sempre preparou com esmero pratos nível festa de Babette (sem exagero, até a codorna no sarcófago já rolou) agora está cozinhando pra fora. É possível comprar as delícias do publicitário Fabio Guedes (o chef F.) como o magret de pato curado, o baccalà mantecato, o ajo blanco e uma conserva de pepino que levanta qualquer sanduíche. Se animou, o lance é encomentar aqui.
Menus da semana
Fica aqui a dica para quem quer cozinhar mesmo os jantares em casa: para os assinantes pagos, a Lena Mattar tem disponibilizado cardápios semanais sempre às segundas-feiras com receitas superfactíveis e imaginativas. (E o texto da Atlantic que prova que tem muita gente sofrendo com esse assunto.)
Secos e molhados
Achei lindo e útil o poster abaixo. Queria um desses na minha cozinha.
Levanta-defunto
Estamos colocando o pezinho no outono e já já chega a temporada de resfriados. Acho que vale a pena guardar o link desta receita, que parece ser capaz de tirar qualquer um do buraco.
Já foi no Fresta?
Comecei falando de um boteco e termino falando de um bar — que também é um restaurante. O Fresta é a primeira casa da chef Carol Albuquerque (ex-Refúgio, Rosewood, Maní) e tem uma cozinha delicada e fresca, com muita brasa e toques de vinagre. Para começar, prove os legumes na brasa, que são servidos com o pão da IZA, e os melhores ovos de codorna que já provei na vida, explosivos, cremosos, com caldinho que lembra a Tailândia (estaria eu tão influenciada assim por White Lotus?). Depois dá pra seguir pra alface romana e cebolinha na brasa, com farofa de pão, e pra lula com presunto cru. Não consegui provar a barriga de porco, mas quem for e comer, me conta aqui depois porque tinha uma cara ótima. A sobremesa de chocolate, amendoim, caramelo salgado e sorvete de baunilha não é de se deixar passar. Com uma comida dessas, achei que era restaurante. Mas, do bar, sai um Daiquiri perto da perfeição, além da Caju amiga, em que a vodca é trocada pela cachaça. Digamos que ficamos bffs. E aí foi confusão total. Talvez seja bar mesmo.



Só mais um golinho
Esperaí que eu só vou bem ali pegar mais uma garrafa…
adoooreeeii esta edição!
Que delícia! Los Perros é um porto seguro na saída do cinema, num sábado de tarde, qq hora. É só conseguir lugar!