Riesling à toa
Degustar muitos vinhos é como fazer musculação (ou talvez pilates na parede) e esta uva de origem alemã é a melhor escolha para esta atividade
O diabo mora nos detalhes — mas talvez passe férias na comparação. Comparar é conhecer e aprender mais sobre cada coisa que se analisa em relação à outra. E aprender, por que não, sobre si mesmo, o que se gosta, o que se quer.
Provar vinhos com atenção, cuidado e informação, um depois do outro, ensina muito, ajuda a eleger novos favoritos, a mostrar defeitos onde se via qualidades, joga luz sobre particularidades. E funciona também como musculação, para o olfato e também para o cérebro.
Nesta semana, eu malhei pra caramba. Foi uma sessão de vinte e quatro Rieslings, de diferentes lugares. Uma amiga querida disse que era como fazer pilates na parede (aposto que você já foi impactado por qualquer conta dessas no Instagram). “Asana Rebel”, eu falei pra minha amiga, ao que rapidamente ela retrucou: “Asana Riesling”.
Faz anos que leio que Riesling é vinho de sommelier, mas eu gostaria de discordar. Todo mundo que não tem na memória a garrafa azul de Liebfraumilch — e aí deve ser da minha geração (40+) pra mais jovem —, e que prova esse vinho de coração aberto, se surpreende com sua originalidade e se apaixona pelo resto da vida.
É comum que se diga que a característica típica da Riesling são as notas empireumáticas. Um palavrão desse parece horrível, e é um pouco bizarro mesmo à primeira vista, porque não é flor, não é fruta, não é nada que está na natureza, mas é pedra de isqueiro, pólvora, até mesmo querosene. Há ótimos Rieslings bem minerais. E eu acho que é daí que vem a moda da mineralidade. Na época em que Riesling era vinho de sommelier, eles começaram a exaltar essa característica e o termo pegou forte. Mas essa uva pode trazer muitas outras características, notas florais, frutadas e até de especiarias, a depender de onde ela cresce.
A sensação de boca, a textura, o corpo, também mudam de acordo com sua origem, podendo ir do mais vertical ao mais amplo, do mais austero ao generoso.
Talvez fosse mais preciso destacar como principal característica da Riesling seu potencial de envelhecimento, que não é tão comum assim em vinhos brancos. São poucas as uvas que têm esse dom (penso na Alvarinho e na Encruzado, mas nem sei se chegam a tanto tempo assim). A crítica inglesa Jancis Robinson conta que já participou de degustação em que bons Rieslings alemães antigos eram provados junto a contemporâneos de Bordeaux (grand crus) e que se mostraram em pé de igualdade.
E quem pode explicar isso é sua incrível acidez, que costuma ser tão alta que é comum que se deixe açúcar residual para que fique mais equilibrado, atendendo a uma gama de estilos diferentes e classificados pelo nível de açúcar.
Na Alemanha, de onde a uva é originária, há uma escala inteira de nomes impossível de se decorar (aqui, o Winefun explica um monte deles superbem). Vale saber que Trocken significa seco e não se fechar para ele somente, porque se essa uva faz uma coisa bem é vinho doce: com tanta acidez, eles nunca ficam chatos, desequilibrados ou enjoentos. Um pouquinho de açúcar vai bem inclusive com pratos asiáticos. E aí, a senha é Kabinett.
Na manhã em que provei todos esses Rieslings, conheci o trabalho de produtores alemães de cinco regiões: de Mosel, a região mais fria e a que faz os vinhos mais originais e mais cheios de acidez; de Rheinhessen, região gigante, onde eles variam bastante, podendo ser mais gordos quando próximos ao Reno e mais tensos e vibrantes quando vêm do sul; de Rheingau, onde são mais leves mas firmes; de Nahe, onde a acidez corta e há nota de toranja; e de Pfalz, onde são quase encorpados. Essas características estão nos manuais e algumas também nas garrafas onde provei. Degustei ainda vinhos da Alsácia, na França, e até um neo-zelandês.
Deixo aqui alguns dos destaques da degustação, fazendo a triste revelação de que são vinhos salgados também no preço, infelizmente:
Riesling 101 — Se você nunca bebeu Riesling, tem que provar o Dr. Loosen Trocken Qualitatsw Riesling Dry, feito por um importante produtor alemão, que vai entregar algo profundamente típico, um Riesling de manual. Feito no Mosel, com 12% de álcool, tem envelhecimento sur lie (com as leveduras), o que dá mais amplitude e complexidade. Esse vai especialmente bem com frutos do mar.
O litrão para tomar com os amigos — Se você ama Riesling, e tá meio apertado de grana, um achado é o Pfaffmann Riesling, que vem na garrafa de litro. O trocken é perfeito para comidas leves e o feinherb, com uma pontinha de açúcar residual, vai bem em um dia quente, bem gelado, sem comida ou com uma salada mais spicy. Este aqui vem de Pfalz, mas é levinho.
O mais generoso — Rippon Riesling 2020 é o Riesling feito ao sul da ilha mais ao sul da Nova Zelância. Um Riesling Austral e imenso com o peso de um bom leite integral. Tem 11% de álcool, 11,78g/l de açúcar, acidez capaz de equilibrar essa doçura toda, e não passa por madeira.
O mais diferentão — Materne&Schmitt 2019 Winninger Riesling, feito por duas colegas de faculdade na região de solo de ardósia do Mosel, traz notas de cera que depois que você identifica não sente outra coisa. “Parece que você acabou de tirar uma boneca da caixa”, me disse Andréia Machado, da Wines4U.
O mais hipster — Bianka & Daniel Schmitt Riesling está nas cartas mais tchans de São Paulo. Não é filtrado, passa por grandes toneis de madeira, tem maceração mais longa. Além da nota empireumática e cítrica, traz uma característica marcada da levedura. Vem de Rheinhessen e é biodinâmico.



Os mais chics — Aqui, difícil foi escolher. Fiquei entre o Kiedricher Riesling VDP Ortswein Trocken 2018 (produtor tradicional de Rheingau, que traz muita complexidade com uvas de vinhas de mais de 50 anos e parcelas nobres, bem floral, frutado, mineral e untuoso, além de cheio da acidez esperada), o Vollenweider Goldgrube Aurum 2020 (um grand cru bem seco com passagem em grandes barris, com bastante mineralidade, salinidade e uma bela estrutura, importado pela Tanyno) e o Scholoss Lieser Trocken 2021 (do Mosel, que é um ótimo custo-benefício, com as características marcantes da região).
O achado da Alsácia — Pra terminar, amo o Eric Rominger, um Riesling com mais volume e gordurinha, exuberante no nariz, e com uma textura aveludada na boca. Tem um preço melhor que os equivalentes alemães, considero um achado e um bom custo-benefício (mas não tou dizendo que é barato). O grand cru deles também é coisa de louco, mas aí investe-se mais.
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Se você quer a lista completa dos Rieslings do evento, aqui vai: Pfaffmann Bioweingut, Schloss Lieser, Wittmann, Becker Landgraf, Domdechant Werner, Robert Wein, Dr. Loosen, Bianca e Daniel Schmitt, Wachenheimer Rechbächel, Vollenweider, WolferGoldgrube, Weingut Thörle, Materne & Schimitt, Koehler- Ruprecht, Domaine Binner, Domaine Bott- Geyl, Domaine Rominger e Domaine Zusslin e Rippon.
Só mais um golinho
Aqui, vale o carrossel inteiro, pra ficar Riesling à toa.
Nossa, eu moro na Alemanha e sempre tive dificuldades e estranheza com o Riesling. Sua newsletter vai em ajudar muitos nas próximas compras no mercado.
Super obrigada.
Excelente texto! Adoro quando a escrita me transporta. Tô seguindo para ler mais. Seus destaques foram certeiros. Voltei no aroma de percevejo que senti em um deles hehehehe... bom feriado!