A onipresente Chardonnay
Ela é a dica mais óbvia quando falamos em brancos mas, quando bem feita, she's a movie star!
Chega de sair do comum, hoje é dia de celebrar uma obviedade do vinho, a onipresente Chardonnay. A cada ano, esta uva que faz vinhos brancos maravilhosos (e outros terríveis) ganha um aniversário no fim de maio. Sugiro que você se deixe levar pelos seus encantos e que, ao fim deste dia — ou, se você tiver a sorte de um almoço mais longo e tranquilo, no meio da tarde —, divirta-se com uma taça de vinho feito com essa uva. Não vai ser difícil encontrar algo que caiba no seu bolso.
Natural da Borgonha, ela é a uva branca mais plantada no mundo, com uma adaptação fantástica em todos os continentes. É fácil de ser cultivada e pode mostrar muitas características distintas a partir do terroir ou do método de vinificação: o vinho vai do extremo giz à manteiga nas notas olfativas e gustativas; da água ao creme na sensação de boca. Pode ser tão seco que é salino, mas também há exemplares doces, graças à podridão nobre.
Em sua terra natal, a Chardonnay vai da acidez natural extrema (a tal sensação de giz ou pedra molhada) se cultivada nos solos calcários e kimmeridianos em Chablis, onde é mais frio, para uma generosidade caliente no Mâconnais. Como diz Jancis Robinson, nos dias de hoje, vai beber Borgonha quem é masoquista, com os preços pela hora da morte. Mas, se for o caso, há coisa muito, muito boa de Montrachet, Puligny-Montrachet, Chassagne Montrachet, Meursault e Corton-Charlemagne. Pouilly-Fuissé é outro nome importante, com preços talvez um pouquinho menos violentos. Uma dica importante é: o nome do produtor é geralmente mais importante do que o nome da AOC (apelação de origem controlada). Então, se for adentrar este mundo, cheque em boas fontes o nome de quem fez a bebida (guiazinho do Hugh Johnson é um chuchu, mas a revista Decanter também pode ajudar).
Ainda na Europa, a uva está pontualmente na Itália, na Espanha e quase inexiste em Portugal, que celebra suas uvas nativas. Mas foi no Novo Mundo, quando por aqui se percebeu que valia mais a pena usar o nome das uvas do que de localidades no rótulo, que essa variedade ficou mundialmente famosa.
Na Califórnia, se deu tão bem que ganhou território, virou febre nacional. Por ali, a fermentação e o estágio em barricas a tornou mais amanteigada. Teve gente que exagerou na receita e tornou o vinho quase um milk-shake de tão pesado. Já ouviu falar em ABC, anything but Chardonnay (tudo menos Chardonnay)? Era a resposta mais comum dos norte-americanos quando alguém perguntava o que queriam beber, por volta dos anos 2000. Eu mesma provei um suco de barrica licoroso feito naquela época de um produtor que, anos mais tarde, já estava fazendo algo muito mais elegante e ácido.
A América do Sul é quase um espelho do que rolou lá, com os exemplares mais interessantes vindo das regiões mais frescas, costeiras e de altitude (a exemplo dos premiadíssimos Adrianna White Bones e Adrianna White Stones, da Catena Zapata, e do meu louco crush Fóssil, dos Zuccardi). No calor, fica tropical, mais pesada, mais alcoólica e com acidez bem menos presente.
A Chardonnay é também responsável pelas borbulhas mais famosas do mundo, que vêm de Champagne, região francesa gélida onde ela tem acidez tão pontiaguda que é quase como se pudesse se quebrar e estalar. Aqui no Brasil, é também nas borbulhas que ela se dá melhor, nos nossos espumantes frescos e delicados.
Por fim, outra dica: se você não for gastar algumas centenas ou milhares de reais em uma garrafa de Chablis, melhor escolher garrafas com até três anos de idade. Diferentemente da Riesling, a Chardonnay não é conhecida por sua longevidade.
Agora, algumas ideias de brinde pra você:
Baratinho e temperado — Aqui ela não vem só, mas bem acompanhada da Macabeu Blanco, fazendo um vinho super fácil pra tomar geladinho pra abrir os trabalhos ou com petiscos, enquanto se prepara o jantar. O Esteban Martín D.O. Cariñena Chardonnay Macabeo Blanco 2023 é um achado porque muito gostosinho e baratex.
Um brinde tropical — O Vallontano Chardonnay 2023 tem bastante corpo e uma nota de abacaxi que pede comida. Tem estrutura pra segurar uma moqueca ou um bobó, ou algum prato com queijo, de uma massa com molho branco até uma quiche. Ou um frango assado mais gordinho. Sozinho ele vai pesar, com comida ele vai brilhar.
Finesse sulista — O espumante Guatambu Nature Blanc de Blancs é de uma chiqueza maravilhosa. Recomendo pra impressionar quem estiver precisando te olhar com outros olhos (os olhos da verdade, não é mesmo?) ou para quando você precisar dar um up no fim de semana.
Uma taça para o amor — Aqui uso uma licença poética para indicar o vinho branco servido no meu casamento, em 2011, o Amayna Chardonnay. Naquela época não era tão caro, mas acho que se der pra gastar um pouco mais, vai dar pra ser feliz com suas notas salinas e sua acidez costeira. A produtora é o máximo e eu prometo contar sobre ela em uma edição futura.
Gostinho de giz — Não dava pra não indicar nenhumzinho francês. Você vai clicar no link do Domaine Collet et Fils Petit Chablis 2022 e vai entender o que falamos anteriormente sobre masoquismo. E olhe que este ainda é um petit. Mas cada gotinha é deliciosa e traz a ideia de uma acidez que vai secar sua língua, depois te fazer salivar, e mexer no seu cérebro para incutir ali a mais pura paixão por esse estilo.
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Outros brancos
Como já foi falado por aqui, os brancos tem voado e os tintos encalhado. Primeiro, achei que era eu. Depois, que era a minha bolha. Agora vejo que a turma do vinho branco está em todos os lugares e não para de crescer. Este foi o tema da minha coluna na Folha desta semana. Colo aqui um trecho:
”Verões infinitos como os que temos vivido, um amadurecimento natural do paladar do bebedor de vinho e certa tendência mundial de preferir tudo o que é mais leve mudaram o que queremos para encher nossas taças. (…) Se você pensa que vai encontrar sempre uma bebida magra e tediosa, hoje temos um imenso espectro de aromas, sabores e texturas, indo do salino ao cremoso, do floral ao mineral, do pungente ao redondo; é mais que um mundo, é um universo.
Para ajudar o RS
Se você está em São Paulo, ainda dá tempo de participar da degustação promovida pela colunista do Paladar Suzana Barelli com a especialista Fernanda Fonseca sobre vinhos de quatro pequenos produtores gaúchos: Era dos Ventos, Vivente Vinhos, Vanessa Medin e Valparaíso. Todo o valor arrecadado será doado para instituições gaúchas indicadas pelos próprios produtores de vinho. As informações estão aqui.
Só mais um golinho
Dia dos namorados está logo aqui.
Ah, que delícia! Esse Chardonnay da Vallontano vale sempre a pena, e esgota toda safra!
estava ansiosa por essa edição <3