Em busca dos vinhos das fazendinhas de Bordeaux
Apesar da fama dos grandes châteaux, tem muita coisa (B)BBB vinda da região
Quando eu estava apurando com sommeliers e especialistas maneiras de encontrar bom custo-benefício nos vinhos, a dica que me pareceu muito certeira foi a de fugir dos locais mais tradicionais e célebres, esses que os críticos amam, que têm produtores históricos e preços anabolizados. Mas, claro, toda regra tem uma exceção e, neste caso, era Bordeaux. A região é hipertradicional e conhecida por seus grandes châteaux, isso todo mundo sabe. O que pouca gente sabe, eu mesma não sabia, é que tem também uma turma de vignerons fazendo coisas interessantes, vivas, despretensiosas e com preço mais amigável. Alguns vão inclusive na direção da baixa intervenção, experimentando menos ou nenhum sulfito.
No mercado norte-americano não é difícil achar esses vinhos. Eric Asimov indicou 12 deles em uma coluna no NYT sobre o tema em 2022. Ele escreve que apesar da fama desses grandes châteaux, há numerosos pequenos fazendeiros que vivem de plantar, colher e vinificar suas uvas naquela região. Na última década, ele conta, procurou os vinhos mais alegres e cheios de alma dessa turma, chegando a um número surpreendente. Muitos deles são orgânicos e biodinâmicos, práticas que chegaram tarde na região.
A minha busca é muito mais recente e infelizmente eu encontrei pouca coisa por aqui até agora (fica aí a dica pro leitor-importador!). Mas há dois rótulos que provei e que são dignos de nota:
O Le Petit Comptoir, de Julien Mingot, vem do solo argilo-calcário de Pomerol, margem direita de Bordeaux. É feito com 60% de Merlot e 40% de Cabernet Franc, cultivadas sem herbicidas e sem pesticidas. O vinho não tem passagem por madeira e é considerado um Vin de France, por não seguir as regras locais, a começar pelo estilo da garrafa, típica da Borgonha. No nariz, tem muita fruta, um toque de pimenta, uma nota floral bem sutil; na boca é uma maciez só. É simples, mas delicioso. Detalhe importante: não pesa, é superequilibrado, com acidez no lugar certo. Bom de harmonizar, vai com pizza tranquilamente, mas aqui foi com uma carne de panela. É importado pela Wines4U e o preço é amigo. Vale dizer que foi um dos vinhos que indiquei na Folha nesta semana (veja mais abaixo).
O CDT, ou Le Champ des Treilles Rouge, já é coisa um pouco mais séria. Provei na casa de uns amigos há mais de um ano e não esqueci (mas só agora liguei os pontos que ele é, também, de pequeno produtor de Bordeaux). É feito com agricultura biodinâmica e no corte vai 50% de Merlot, 27% de Cabernet Franc, 15% de Cabernet Sauvignon e 8% de Petit Verdot. Mais exuberante que o anterior, é como se fosse mais fácil destacar as notas (parecidas) de fruta, pimenta e flor — elas estão menos mescladas, são mais nítidas. É importado pela De la Croix (que tinha ainda um segundo Bordeaux por volta dos R$ 100, que eu não achei no site, mas quem sabe ele volta).
Quando provei esse vinho, não sabia que era um Bordeaux: por ser um Vin de France, o nome da região não estava no rótulo. Essa é uma das dificuldades de se encontrar essas pequenas joias mais amigas do bolso e fáceis de beber feitas por esses fazendeiros bordaleses, o DNA não está tão aparente assim. Volto aqui à dica mais básica (e irritante?) de todas: para comprar bem, tem que estudar, pesquisar.
Para facilitar um pouco as coisas, se você conhece outros BBBB, Bordeaux bonitos, bons e baratos, manda aqui na caixinha, por favor.
Vinho e amor
Nesta semana, a coluna da Folha de S.Paulo foi sobre o Dia dos Namorados. Fui inspirada por Eurípides, autor de “As Bacantes”, e por Anne Carson, que faz uma interpretação linda dessa peça. Compartilho aqui alguns dos versos da versão dela que mais amo:
Na tradução de Eurípides que tenho, da editora Zahar, está escrito que se não há vinho, não há Afrodite. Logo, minha sugestão para o vinho que vai se tomar num date é:
uma bebida agradável para dar prazer, leve para não empanturrar, menos alcoólica para não embotar a cabeça, novidadeira para gerar assunto e expressiva para marcar o momento na memória, mas não extravagante a ponto de roubar a cena. E, claro, se há comida junto, vamos adicionar a harmonização com o prato a essa conta.
Back to basics e a Itália
Não sei se foi o fotógrafo Sam Youkilis, se foi meu eterno desejo de tirar férias, se é minha obsessão por Ítalo Disco, mas ando meio obcecada pela Itália e meu presente de Dia das Mães só piorou a situação, a bíblia da cozinha italiana escrita por Marcella Hazan. Vi que ganhei o presente semanas depois do centenário de nascimento dela, juntei tudo e saiu uma coluna na Gama, em que falo sobre como ela ensinou parte do mundo a boa cozinha italiana, sem complicar, mas ressaltando o sabor dos alimentos. A mesa italiana raramente tem um prato principal, mas uma sucessão de pratos deliciosos em que uma berinjela ou uma couve-flor podem ter a mesma importância que um peixe ou uma carne (tem ouvido isso por aí?). E tem também uma breve reflexão sobre o conceito de comfort food. Convido à leitura e, de presente, no meio do texto, tem a receita do molho mais famoso da Hazan.
Beber de dia?
Desde uma experiência traumática na juventude em que vodca foi ingerida de forma absolutamente irresponsável na praia, a ideia de beber de dia me assombra. (Salvo almoços que são O evento de fim de semana, claro, abaixo a hipocrisia!) Mas agora cientistas têm uma explicação e é diferente mesmo.
Jantar mil estrelas brasileiras no Maní
Faltam quatro dias para o jantar em que Helena Rizzo vai reunir 12 chefs de peso para ajudar vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. Se juntar tudo, dá mil estrelas mesmo. Como ela escreveu, “infelizmente, não acabou… A gente precisa seguir ajudando”. A renda obtida com o evento vai ser doada para a Agricultores Ecologistas Solidários do RS, que tem 60 associados e, deles, dez são famílias que perderam tudo ou quase tudo: casa, lavoura, equipamentos. Entre as convidadas, nome como Bel Coelho, Carla Pernambuco, Ieda de Matos, Mara Salles, Neka Mena Barreto, Paola Carosella e Roberta Sudbrack. Falando em vinho, Cassia Campos, Daniela Bravin e as Gabis Bigarelli e Monteleone. O link para reserva está no post acima.
Só mais um golinho
Esse meme eu vivi num grupo de whats das minas que degustam comigo, ainda no clima do amor de ontem.
Sempre tão bom ler! Parabéns